A primeira sessão plenária da Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês) teve início nesta segunda-feira (3/10), em Nairóbi (Quênia), na sede do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
“A reunião realizada nesta segunda-feira é histórica para a biodiversidade do planeta”, disse um dos participantes da delegação brasileira, Carlos Alfredo Joly, titular da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e coordenador do Programa BIOTA-FAPESP.
O IPBES é um painel intergovernamental que procura fazer com que o conhecimento científico acumulado sobre biodiversidade seja sistematizado para dar subsídios a decisões políticas em nível internacional.
O órgão teve sua implantação definida em junho de 2010 em uma reunião em Busan (Coreia do Sul) e sua criação foi ratificada em outubro de 2010, durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP10), realizada em Nagoia (Japão) e posteriormente referendada na Reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas.
A delegação brasileira é chefiada pela embaixadora Ana Maria Sampaio e conta também com Bráulio Ferreira Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a analista ambiental Keila Macfadem Juarez (MMA) e o ministro conselheiro Antonio Otávio Sá Ricarte, representante permanente do Brasil junto ao Pnuma.
De acordo com Joly, a primeira sessão plenária começou com uma discussão sobre os princípios, funções e estrutura do IPBES. “Foram discutidos os órgãos que devem ser criados – como secretariado, coordenação executiva, painéis de especialistas e grupos de trabalho, entre outros – e os critérios para a escolha do país ou instituições que se candidatarem a sediar o secretariado e demais órgãos do IPBES”, disse.
O Programa BIOTA-FAPESP está envolvido desde o início com o processo de criação do IPBES.
“A criação do IPBES começou a ser discutida em 2005 sob a designação International Mechanism of Scientific Expertise on Biodiversity (Imoseb), mas somente após uma substancial mudança na proposta, de forma a equiparar o poder de decisão entre os países respeitando as desigualdades regionais, a proposta ganhou o apoio necessário para ser de fato implementada”, explicou Joly.
Uma vez transformada em Plataforma Intergovernamental – em que as decisões são tomadas pelo conjunto de países participantes de forma igualitária – a proposta de criação do IPBES ganhou forte apoio do Brasil e dos outros 16 países que formam o Grupo de Países Megadiversos e Afins.
“Considerando a inexistência de uma organização global, capaz de analisar e sintetizar o conhecimento científico para subsidiar a tomada de decisão de governos e convenções internacionais na área de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, efetivamente reconhecida tanto pela comunidade científica como pelos formuladores de política, a criação do IPBES foi, finalmente, aprovada em junho de 2010”, disse Joly.
De modo geral, planejava-se que o IPBES tivesse com a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD, na sigla em inglês) uma relação semelhante à que existe entre o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e a Convenção do Clima. Assim, embora não fosse um órgão da CBD, teria capacidade de fornecer a base técnica e científica para que a comissão tomasse suas decisões, facilitando a transferência do conhecimento científico para as políticas públicas.
“Diferentemente da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas que, ao ser assinada em 1992, adotou o IPCC – criado em 1988 pela World Meteorological Organization (WMO) em parceria com o Pnuma –, a CDB, também assinada em 1992, não contava com um órgão responsável por sintetizar e traduzir os avanços do conhecimento científico para os tomadores de decisão”, disse.
Funções do IPBES
Duas características principais distinguem o IPBES do IPCC. Uma delas é o fato de que o IPBES não está associado apenas à CBD, mas também às demais convenções que tratam da conservação da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, tais como a Convenção sobre Áreas Úmidas (Ramsar), a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites) e a Convenção Internacional sobre o Combate à Desertificação (UNCCD).
“A outra diferença é que o IPBES tem um forte componente de capacitação profissional não só na interface ciência-política de conservação, mas também na formação de taxonomistas, curadores, especialistas em Sistemas de Informação em Biodiversidade e em modelagem em biodiversidade e serviços ecossistêmicos, de acordo com as necessidades dos países membros”, explicou Joly.
O IPBES tem quatro funções principais. A primeira delas é identificar, priorizar e traduzir informações científicas fundamentais para os tomadores de decisão. A segunda consiste em produzir periodicamente relatórios com o diagnóstico sobre o status da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.
A terceira função é apoiar a formulação de políticas de conservação e uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, identificando ferramentas e metodologias relevantes e adequadas para serem utilizadas pelos tomadores de decisão.
A quarta função é priorizar a capacitação profissional tanto para geração de dados e informações científicas como na interface ciência-política de conservação e uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.
“Para atingir esses objetivos, o IPBES vai colaborar com iniciativas já existentes na área de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, de forma a buscar sinergias e evitar a duplicação de esforços. O órgão também será cientificamente independente, de forma a assegurar credibilidade e legitimidade”, disse Joly.
O IPBES deverá também assegurar a transparência dos processos de decisão, utilizando, sempre que possível, a revisão por pares. Deverá utilizar processos transparentes e cientificamente reconhecidos para o uso e compartilhamento de dados, informações e tecnologias de todas as fontes relevantes, incluindo publicações tais como dissertações, teses e livros.
Além disso, deverá reconhecer e respeitar o conhecimento de grupos indígenas e de populações tradicionais na conservação e no uso sustentável da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos.
“Ciente de seu mandato e dos acordos internacionais na área, o IPBES deverá gerar informações relevantes para a tomada de decisão política sem ser prescritivo. Deverá, ainda, integrar o processo de capacitação profissional em todos os níveis, de acordo com as necessidades de cada país ou região”, afirmou.
O IPBES reconhecerá que a diversidade biológica e o nível de conhecimento científico variam de país para país, assegurando a plena participação dos países em desenvolvimento no órgão, bem como o balanço regional na estruturação dessa plataforma intergovernamental.
“O órgão também irá adotar sempre uma abordagem trans e multidisciplinar, assegurando a participação de todas as áreas de conhecimento, especialmente as ciências naturais e sociais. Tratará igualmente a biodiversidade terrestre, marinha e de água doce e, por fim, usará adequadamente diagnósticos nacionais, sub-regionais e regionais”, explicou.
(Agência Fapesp / EcoDebate, 06/10/2011)