Relatório do Pnuma diz que governos devem repensar suas estratégias de desenvolvimento para que o risco de esgotamento de matérias-primas não aflija a América Latina. Brasil acumula bons e maus exemplos.
A América Latina entrou no mapa estratégico de muitas nações ricas – recentemente, a Alemanha lançou uma nova política para estreitar os laços com as nações latino-americanas visando assegurar o abastecimento de matérias-primas. Toda essa abundância de recursos, no entanto, não garante um futuro próspero, como adverte o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
O alerta veio com uma análise divulgada no dia 20 de setembro pela organização: a região não considera o desenvolvimento sustentável como tema central – e as análises econômicas dos países da América Latina sequer levantam consequências de um possível colapso dos recursos naturais.
Depois de dois anos investigando o tema, o Pnuma chama a atenção para o perigo da exploração desenfreada de matérias-primas – o crescimento econômico da região nos últimos anos alavancou a extração dos recursos, e os governos precisam repensar suas estratégias de desenvolvimento para que o risco de esgotamento não aflija a América Latina.
A conclusão é que a utilização dos recursos naturais na região não leva em conta nem sustentabilidade nem eficiência. “Uma das descobertas do relatório é que, em alguns casos, o impacto ambiental das atividades econômicas é tão grande que, ainda que se melhore a eficiência na utilização dos recursos, dificilmente se poderá alcançar a sustentabilidade.”
Crescimento x colapso
O Pnuma analisou em profundidade seis países (Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai e Uruguai) em três temáticas: mudanças na utilização do solo, energia e mudança climática e uso da água.
A pujança econômica e o aumento da importância das commodities na pauta de exportação desses países fizeram com que a pressão sobre alguns recursos, como água e solo, aumentasse. No Brasil, por exemplo, com a pressão do setor agrícola é possível detectar uma redução de floresta natural e sua substituição por culturas não originais.
Outra preocupação levantada é o fato de a região estar se transformando, cada vez mais, em exportadora de água virtual – ou seja, volume de água necessário para obter um bem ou um serviço. E o Brasil está no topo da lista: ao exportar soja ou carne, por exemplo, o país também “exporta” parte da água usada no cultivo.
O que também ameaça a sustentabilidade da região, aponta o relatório, é a expansão de setores com alto poder de contaminação. Trata-se, por exemplo, dos setores químicos, de polpa e papel, de madeira e de materiais associados à indústria metalúrgica. No Brasil, dez produtos são responsáveis por 60% da toxicidade total e correspondem a mais de 15% das exportações do país, diz o relatório.
Como uma consequência não desejada do crescimento econômico, as emissões de CO2 também subiram – México e Brasil são os maiores do grupo, influenciados principalmente pelo maior consumo de energia. A análise indica, no entanto, que nos casos brasileiro e paraguaio há um esforço maior em incorporar fontes de energia renováveis. Os demais países ainda enfrentam maiores dificuldades para deixar a matriz energética mais limpa.
Modelo brasileiro
Um exemplo de política pública eficiente criada para estimular o uso sustentável dos recursos vem do Brasil. O Pnuma elogia a implantação da taxa de cobrança para a utilização da água na bacia do rio Paraíba do Sul. Desde 2003, o dinheiro arrecadado é revertido em melhorias no rio: entre 2006 e 2008, a extração de água diminuiu 16% e o consumo caiu 29%.
A bacia abriga cerca de 8.500 plantas industriais. A contaminação da água é um dos principais problemas da região, provocada pelos resíduos industriais e de residências. Um conselho para gerir a bacia foi criado em 1996, com a participação das autoridades, usuários públicos e privados.
Soluções
Apesar do cenário um pouco negativo, o relatório indica que há oportunidades de melhora de uso eficiente dos recursos naturais e de garantir a integração dessas práticas nas estratégias de desenvolvimento dos países da América Latina.
As respostas sugeridas não são complexas e, em alguns países latino-americanos, já estão em curso: cooperações público-privada, planejamento do uso do solo e respeito às leis que regem o uso da terra, além da disseminação de informações. “A sustentabilidade global pode depender dessas regiões (América Latina e Ásia-Pacífico) e da capacidade delas de acelerar a transição para uma economia verde”, sugere o Pnuma.
(Por Nádia Pontes, com revisão de Alexandre Schossler, Agência Deutsche Welle / EcoDebate, 03/10/2011)