O Brasil começa a despertar para uma riqueza que vem sendo descartada como rejeito nas minas: os elementos de terras raras. Trata-se de minerais não-ferrosos que incluem 17 variedades de elementos químicos, como lantânio, disprósio e neodímio, entre outros. Esse mercado é dominado pela China, que detém 36% das reservas mundiais estimadas e 97% da produção.
Os usos são múltiplos. Vão desde soluções para produção de energia limpa a aplicações de alta tecnologia ligadas aos setores de telecomunicações, indústria aeroespacial, entre outros.
O mercado movimenta cerca de US$ 5 bilhões/ano, mas pode aumentar exponencialmente nos próximos anos. "Seguramente, ao ritmo de crescimento do consumo, puxados pelos Brics (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), esse valor deve ser superado em pouco tempo", afirma Ronaldo Luiz dos Santos, vice-diretor do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem).
Carlos Alberto Schneider, superintendente da Fundação Centro de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi), de Florianópolis, ressalta: "Só a indústria de superimãs movimenta US$ 2 bilhões e deve chegar a US$ 10 bilhões em 2030."
O Brasil pode desempenhar um papel importante nesse mercado. Estimativa do Serviço Geológico Norte-Americano (USGS) aponta que o país pode ter uma reserva de 3,5 bilhões de toneladas de terras raras.
Para Santos, esse número deve ser olhado com atenção porque as estimativas brasileiras são imprecisas. "É preciso considerar que a maior contribuição apontada para o volume das reservas brasileiras remonta sobre o que seria o potencial não classificado de Morro dos Seis Lagos, no Amazonas, o qual carece de um bom trabalho geológico para ser confirmado."
Segundo o USGS, a reserva de Seis Lagos teria 2,9 bilhões de toneladas de terras raras, que poderiam resultar em 43,5 milhões de toneladas de metal. A segunda maior reserva do país estaria em Araxá (MG), em uma jazida da Vale. A estimativa do USGS para esse depósito seria de 450 milhões de toneladas, que gerariam 8,1 milhões de toneladas de metais.
Segundo Schneider, para desenvolver o potencial do país na área é preciso mapear detalhadamente os recursos, para as empresas poderem direcionar seus investimentos. "Não sabemos exatamente quais os elementos mais presentes nessas jazidas, ou qual a concentração deles", argumenta.
As principais fontes de terras raras no Brasil são a monazita e a xenotima, minérios fosfatados. Na monazita predominam as terras-raras leves e, ainda, estão presentes tório e urânio. É encontrada abundantemente em praias do Espírito Santo e da Bahia. Na xenotima predominam as terras-raras pesadas, que têm maior valor agregado no mercado.
Apesar do enorme potencial, o país ainda não explora essa riqueza. As pesquisas pioneiras realizadas nos anos 1980 e 90 foram abandonadas, entre outros motivos, por inviabilidade comercial.
"A exploração não tem acontecido porque as terras-raras geralmente estão associadas a outros minérios e minerais que são considerados prioritários em uma determinada jazida", diz Santos. Para ele, seria necessário mudar a regulação atual que privilegia a exploração do minério principal, viabilizando o aproveitamento integral delas e o reaproveitamento dos resíduos.
Para aproveitar ao máximo o potencial de geração de riqueza das terras raras, o país precisa investir na cadeia produtiva, para não se tornar um simples exportador de matéria prima. "É preciso competência para a exploração ser feita em base sustentável", defende Santos.
"Para evitar que o erro dos anos 90, há que se colocar em prática uma política de exploração destes minerais e se formar uma efetiva parceria público-privada para aportar recursos financeiros e definir metas de curto, médio e longo prazo, prevendo, inclusive, a formação de recursos especializados. As terras raras são de importância estratégica para a soberania nacional. Empresários e autoridades brasileiras deveriam conhecer as ações realizadas por outros países nesse sentido."
Um esforço para a criação da cadeia produtiva para fabricar superimãs no Brasil vem sendo feito numa parceria entre o Cetem, a Fundação Certi, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Universidade Federal de Santa Catarina, num convênio de cooperação tecnológica entre o Brasil e a Alemanha.
"Esses imãs são componentes chaves para o desenvolvimento de motores elétricos e híbridos, e também para a indústria de geração eólica", explica Schneider, do Certi. "O melhor que pode acontecer é que o Brasil seja autossuficiente em terras raras e um exportador de produtos finais."
A extração, propriamente dita, é a parte mais fácil, explica Schneider. A segunda, é a separação dos óxidos, num processo físico-químico. "É uma das etapas mais complexas, na qual efetivamente se agrega valor às terras raras, e que pode ser realizado pelas próprias mineradoras", diz.
Depois, vem a preparação de ligas metálicas e, por último, a fabricação dos imãs. O projeto visa primeiro a criação de uma unidade piloto e depois a implantação de indústrias. "Há interesse das grandes mineradoras e das fábricas de motores e geradores do Brasil e da Alemanha", diz.
Para Schneider, o Brasil precisa se apressar. "As terras raras são críticas para a indústria e todos os países buscam alternativas. Há projetos na Ásia, nos Estados Unidos, na África", enumera.
"Vejo um grande entusiasmo no Ministério de Ciência e Tecnologia, no Ministério de Minas e Energia, mas não há um esforço conjunto para transformar a indústria de terras raras em realidade", observa. "O governo tem um papel fundamental, que é dar segurança a esse processo de investimento. A oportunidade está aí e não podemos perdê-la", alerta.
(Por Carlos Vasconcellos, Valor Econômico / IHU On-Line, 26/09/2011)