Em 12 de setembro aconteceu uma reunião na Câmara Municipal de Jacareacanga, Pará. Estavam presentes os caciques e representantes do Povo Munduruku. A reunião foi convocada pela empresa irlandesa Celestial Green Ventures, especialista em compra e venda de créditos de carbono. Detalhes no site deles.
Abaixo transcrevi o relato da Irmã Isaldete Almeida, presente nessa reunião. Fiquei absolutamente impressionada com o relato e com as reações das mulheres Munduruku.
"No dia 12 de Setembro, na Câmara Municipal de Jacareacanga, aconteceu uma reunião com os Caciques e representantes das Aldeias, com o objetivo de se informarem de um projeto de uma empresa estrangeira, CGV, para dialogar sobre um Contrato de Crédito de Carbono.
E tinha uma boa representação de mulheres indígenas também. Iniciou por volta das nove da manhã. O Sr. João Borges de Andrade comentou sobre o projeto e seus objetivos, em ajudar os Índios e prometeu muito dinheiro e disse também que não queria nada em troca somente ajudá-los preservar a floresta viva.
E que para isso os índios precisam de alguém que os ajudem financeiramente, por isso, que eles vieram propor este contrato por trinta anos para ajudá-los na educação, na saúde nos meio de transporte, avião etc. E se a Empresa não cumprir com o prometido, eles poderão recorrer e cancelar o contrato.
A reunião foi bem tensa, os Munduruku todos pintados, desde as crianças de colo. Os índios disseram: “você tem que nos escutar”. E não deixaram expor o projeto no data-show, como estava previsto.
E um índio cacique disse que eles já sabiam preservar a natureza e que não precisava do dinheiro dele. Que eles poderiam ir embora e deixar os índios em paz na floresta que eles sabiam se virar.
Depois os outros Índios pediram a palavras, começando pelas as Índias guerreiras, que foi uma supresa como elas são corajosas e ameaçaram o palestrante, colocando as suas armas.
1. Que não queriam esta empresa no meio de suas terras.
2. Se eles viessem, elas iam lutar contra, e deu exemplo dos garimpeiros que estão na área indígena, só poluindo os rios e que não dão nenhuma grama de ouro para eles ir comprar uma água mineral, elas têm que tomar aquela água suja dos maquinários ...etc
3. E uma mostrou a pequena borduna, passando no pescoço do Palestrante e disse que Índio não é besta, o que vocês querem em troca de tanta bondade que estão nos oferecendo?
4. Outra disse que já estava cansada de se enganada por falsas propostas de branco e colocou uma flecha em direção do peito dele também. Foram três em seguida que falaram e batiam na mesa com suas flechas e arcos.
Depois o palestrante João pediu a palavra e disse: “Nós viemos aqui só querendo ajudá-los, queremos ser parceiros de vocês ,não mereço ser tratado assim com agressividade, eu não entendo a língua, mas pelos gestos dá para perceber que estão com raiva e não estão aceitando, eu só quero que vocês assine ou não.. E eu vos peço uma coisa, não comparem o nosso projeto com outros projetos que não deram certos, o nosso é um contrato justo...”
Eu (irmã Izaldete) pedi a palavra mas os índios estavam todos agitados e João veio ao meu encontro e perguntou se eu gostaria de fazer alguma pergunta. Eu disse que sim:
Eu queria saber que eles queriam em troca diante de tudo que eles estavam oferecendo ao povo. Ele me respondeu que só quer ajudar o povo a cuidar da floresta por causa do crédito de carbono para salvar o mundo por causa do desmatamento, o aquecimento global está aumentando. Perguntei 'mas como vocês vão fazer isso sem nos prejudicar?'.
E os Índios perguntaram como seria distribuído o dinheiro, ele disse que vai ser entregue direto para as associações indígenas para ajudar só os índios que estão na floresta.
A reunião terminou e nada foi assinado, porém depois ficamos sabendo que quatro indígenas já haviam assinado. Procuramos o Haroldo e ele nos contou que esse projeto já vinha sendo estudado desde setembro de 2010. E que ele também não estava na hora que assinaram. Então tem muitas conversas. E certo que eles acham que vão fazer uma experiência e depois podem recorrer atrás.
Eu não conversei com seu Martinho, ele está em Itaituba, e nem consegui falar com o vice-prefeito, Roberto Crixi. Pedimos ao Haroldo para mostrar o projeto e ele não nos mostrou, e sinto uma certa resistências deles para conosco que acham que nós da Igreja Católica não queremos o desenvolvimento deles.
Pedi para ele falar com você, ofereci o telefone e ele disse que ia ligar depois. Mas por outro lado, têm muitos índios preocupados com este projeto, 'os mais simples'.
Outros, porém, estão de olho na oferta do dinheiro. Tenho as fotos mais não consegui um cabo, para passar as fotos para o computador e lhe enviar.
Ir. Isaldete Almeida"
Duas questões que eu [Telma] coloco em discussão:
1. A Funai não estava presente nessa negociação. A Green Celestial é uma empresa de compra e venda de créditos de carbono. Como empresa estrangeira pode entrar em terra indígena sem a presença da Funai?
2. Quais são os termos do contrato e qual é o ganho da empresa proveniente dos devedores de carbono na Europa? O representante da Celestial Green mencionou a cifra de R$ 3 milhões ao ano.
(Blog da Telma D. Monteiro, 27/09/2011)