O engenheiro agrônomo Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), foi homenageado por outros cientistas no congresso da Anbio (Associação Nacional de Biossegurança), realizado em Joinville (SC).
Aragão é o especialista responsável pela liberação do feijão transgênico, aprovado pelo CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) no último dia 15.
Isso possibilitará que em 2014 o país tenha o primeiro plantio livre de um vírus que provoca a perda de 90 mil a 280 mil toneladas de feijão por ano -o país produz 3,5 milhões de toneladas.
Hoje, ainda sem pedido de patente, mas com a tecnologia sob sigilo -o que suscitou críticas de movimentos contrários ao plantio dos transgênicos-, ele diz que o desconhecimento faz com que ainda exista resistência.
Confira a entrevista.
Folha de S. Paulo - O debate sobre transgenia tem divido opiniões, inclusive na ciência. Quais são os argumentos contrários?
Francisco Aragão - No início da discussão, nos anos 1990, dizia-se que a transgenia causaria câncer, impotência e outras doenças. Cadê o câncer? Cadê a impotência? Depois dizia-se que transgenia só servia para commodities. Mas o feijão não é nada disso. Existe um grupo que é contra transgenia pura e simplesmente, outro que está mal informado e um último grupo que é mal-intencionado. Mas a maioria é mal informada mesmo.
Na votação da CTNBio foram 15 votos a favor, duas abstenções e cinco pedidos de complementação dos estudos. Dez anos de estudos são suficientes para demonstrar a segurança de uma tecnologia como essa?
Aragão - Sim. Essa votação veio em um mal momento por dois motivos. Primeiro porque surgiu uma história de mudança de prazos, disseram que iriam reduzir os prazos para a CTNBio acelerar a aprovação. Não foi nada disso. Outro ponto foi o debate sobre o termo de sigilo. Os membros da CTNBio têm de assinar um acordo de sigilo sobre as informações a que têm acesso porque isso poderá gerar uma patente.
A proteção dessas informações tem gerado críticas.
Aragão - Nós recebemos críticas porque a Embrapa é uma empresa pública. Mas nós estamos protegendo um patrimônio público previsto pela Lei de Inovação. Se a gente não protegesse, provavelmente o Tribunal de Contas da União iria nos acusar de estar entregando o patrimônio público. Um conhecimento como esse pode ser aplicado a outras plantas, como a soja. Sem contar que outro país pode pegar o conhecimento e patentear se as informações não estiverem protegidas. Mas ainda não temos uma patente.
A Embrapa abrirá mão dos royalties desse feijão?
Aragão - Sim. Hoje, a prática é não cobrar royalties para feijão porque só 10% dos produtores usam sementes compradas [em geral, replantam parte da colheita.] A Embrapa quer aumentar esse número.
Os pequenos produtores não devem ter o direito de não usar transgênicos?
Aragão - Mas e os produtores que quiserem usar transgênico também não têm o direito de escolha? Precisamos saber que tipo de produtores queremos. Temos um produtor que produz 400 kg por hectare, enquanto outro produz 2.000 kg na mesma área. A gente tende a achar bonito produzir pouco usando baixa tecnologia. Isso cai em outras discussões, como a do novo Código Florestal [que está em tramitação no Senado]. Queremos que as áreas já desmatadas produzam mais. Isso vai reduzir a demanda por mais áreas.
Mas nós precisamos de mais área para o feijão?
Aragão - Nós precisamos aumentar a produção. O Brasil hoje está importando entre 100 mil e 200 mil toneladas de feijão por ano. É pouco, já que produzimos 3,5 milhões de toneladas, mas o fato é que importamos da Argentina, da Bolívia, do Paraguai e, mais recentemente, da China.
Para ONGs, faltam estudos sobre a segurança do feijão
A aprovação do feijão transgênico aconteceu apesar da oposição de ONGs, associações de agroecologia e movimentos sociais. "Considerando a legislação atual, podemos dizer que o feijão transgênico traz insegurança para a saúde animal e dos humanos", argumenta Ana Carolina Brollo, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos.
A ONG participa da campanha "Por um Brasil Livre de Transgênicos", coordenada pela ANA (Articulação Nacional de Agroecologia).
Para Brollo, a Embrapa não realizou estudos suficientes para garantir a segurança do feijão, e o MCTI (Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação) não se aprofundou na discussão.
"Não foram feitos testes em todos os biomas brasileiros", diz Brollo. As pesquisas da Embrapa foram conduzidas em Minas Gerais, no Paraná e em Goiás. "Estamos avaliando uma possível medida judicial. Essa é uma aprovação impactante. O feijão está no prato dos brasileiros."
(Por Sabine Righetti*, Folha de S. Paulo, 27/09/2011)
* A repórter viajou a convite da Anbio