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rio 2012/cúpula da terra sustentabilidade e capitalismo crise econômica
2011-09-16 | Rodrigo

Isto é um grito de angústia e um apelo. Só a cidadania mobilizada e com propostas pode impedir um fracasso anunciado de mais uma conferência da ONU. A sustentabilidade da vida e do planeta depende de nós, cidadãs e cidadãos do mundo, que temos a Terra e suas diferentes formas de vida a compartir entre todos, hoje e com gerações futuras, respeitando a sua integridade. Devemos agir enquanto é tempo para mudar de rumo e evitar o pior em termos de destruição ambiental e impacto social do desenvolvimento atual.

Estamos a menos de um ano da conferência Rio + 20, aqui no Rio de Janeiro, em começo de junho de 2012, e quase nada acontece. Nem parece que estamos diante do desafio incontornável de reverter um processo de desenvolvimento destrutivo da base natural da vida.

Os nossos governantes estão mais preocupados com a queima de capital especulativo nas bolsas e a saúde dos bancos do que com as múltiplas crises em que a humanidade afunda: climática, alimentar, das condições de vida, da política e de valores éticos.

Isso porque na atual estrutura de poder mundial, controlada pelos interesses das grandes corporações econômico-financeiras, pelos países desenvolvidos e pelos “emergentes”, não existe um real interesse político em mudar o que pode pôr em risco o “negócio do desenvolvimento”.

Cidadãos e cidadãs indignados se insurgem contra tudo isso em várias partes do mundo, mas ainda não se deu a liga entre eles, a articulação que junta a diversidade num grande movimento irreversível.

Estamos diante de uma crise da própria civilização capitalista industrial, com seu produtivismo e consumismo, movida pelo acumular de riqueza, crescendo sempre, sem limites.

Nunca podemos esquecer que esta civilização, em que a riqueza de um povo é medida pelo ter sempre mais e mais bens, pela renda per capita, pela acumulação e pelo crescimento do PIB, foi feita a pau e fogo, literalmente, durante os últimos séculos da história humana.

Conquista e colonização, com escravidão de povos inteiros, revolução industrial baseada no uso intenso de energia fóssil e matéria-prima, com destruição e poluição ambiental quase sem volta, gerando a crise climática, com extrema miséria e extrema riqueza. Imperialismos e guerras, mudando de mãos e territórios, foram se sucedendo na medida da necessidade para garantir a dominação de tal civilização, até hoje.

Com a globalização capitalista das últimas décadas, ela virou referência para praticamente toda a humanidade. Pelo pior caminho criamos as condições para a emergência de uma comunidade planetária, interdependente. Falta-nos transformar tal fato em sonho coletivo, e vontade, em ação, na diversidade do que somos.

Em meio ao lixo e mais lixo, à convivência de abundância extrema com a miséria extrema, a civilização capitalista industrial produtivista e consumista exerce um fascínio enorme, conquistando corações e mentes quase sem fronteiras.

O fato é que a economia e o poder que a sustentam, bem como o estilo de vida desta civilização, tem como pressupostos indispensáveis a dominação, o racismo e a discriminação, o machismo e a exclusão social, uma destruição ambiental que compromete a sustentabilidade da vida e do planeta.

Começa a surgir no seio das sociedades civis do mundo inteiro a consciência que assim não dá para continuar. Precisamos mudar já! Mas eticamente não dá para salvar o planeta e esquecer a humanidade.

Como mudar conciliando a agenda da sustentabilidade da natureza e da vida com a justiça social? Eis a grande questão para a cidadania e a democracia, do local em que vivemos ao mundo todo, reconhecendo-nos como comunidade cidadã planetária, com direitos e responsabilidades compartidos, comungando valores de liberdade e igualdade, de solidariedade e participação democrática, valorizando nossa diversidade e interdependência.

A enorme esperança gerada pela Eco-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, não foi capaz de se transformar em contraponto à avassaladora globalização neoliberal que tomou de conta do mundo nos anos 1990 e começo do novo século. Na mesma proporção em que cresceram as grandes empresas, aumentou a disputa mundial por recursos, a destruição e a desigualdade.

O objetivo do crescimento dos negócios a qualquer preço foi favorecido pela liberalização, desregulação e flexibilização, com desmonte da própria capacidade promotora de direitos e reguladora dos Estados. Esvaziou-se a ONU e cresceu o ilegítimo G8, sob liderança da única potência militar imperial, os EUA. Agora, no bojo da crise, apareceu o G20, um alargamento do clube fechado do poder mundial do G8, que não muda a essência da assimetria do poder e a dominação que propicia.

A agenda da justiça social foi relegada aos chamados ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, oito pontos nada ambiciosos, onde se acorda a fazer justiça sem mudar as causas da injustiça. Aliás, nem isto está sendo feito. A falta de vontade de mudar o modo de organizar as sociedades, a sua economia e o seu poder fica mais clara ainda nas negociações que seguiram as convenções assinadas em 1992.

A muito custo se chegou ao Protocolo de Kyoto, sobre mudanças climáticas, que nada mais é do que o pagamento pelo direito de continuar poluindo para que outros, em outros lugares do mundo, assumam o compromisso de captar carbono, com florestas em pé. Em Durban, em 2002, o negócio verde ganhou espaço na conferência e perdeu a esperança que ainda fosse possível almejar mudanças mais radicais. Novamente, em 2009, em Copenhague, parecia ressurgir a esperança. Apesar da pressão das ruas, os governantes não passaram de uma declaração de vagas promessas.

Assim não dá mais! As múltiplas e combinadas crises, que do coração dos países desenvolvidos dominantes se alastram e contaminam o mundo todo, só reforçam a convicção de ativistas por outro mundo. O paradigma industrial capitalista, produtivista e consumista está sendo corroído pelas suas próprias contradições. Não é uma mera remodelação do mesmo que vai dar outro rumo.

No caso da conferência Rio+20, tudo isso parece operar ao mesmo tempo. A crise funciona como desculpa para governantes não se comprometerem. Obama visitou o Brasil este ano, esteve no Rio, acionou seu arsenal contra a Líbia e falou de quase tudo, até de Copa do Mundo de Futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016, mas nada da Conferência tão vital para a humanidade e o planeta.

Olhando para outro lado, o que os líderes europeus estão fazendo para tornar a Rio+20 algo marcante? A crise da zona do euro justifica o silêncio? E do Japão – dos terremotos, tsunamis e vazamentos nucleares – dá para esperar algo? Os “emergentes” – nós, brasileiros, entre eles – com suas ambições de rápido crescimento, a qualquer custo, são parte do problema e não da solução.

E aí o que fazer se o próprio presidente da Conferência Rio+20 é um embaixador chinês na ONU? A Conferência será no Brasil, mas na nossa agenda temos a retomada das usinas nucleares, o petróleo do pré-sal, as grandes barragens na Amazônia e, para complicar mais, a flexibilização do Código Florestal. O quadro não poderia ser mais desalentador.

No seu conteúdo mesmo pouco ou nada dá para esperar da conferência. O tema principal é a economia verde, algo mais palatável do que falar de sustentabilidade que, no mínimo, põe em relevo a relação sociedade e natureza de forma mais ampla.

Qualificar de verde uma economia cuja lógica é acumular riqueza antes e acima de tudo, continuando a comodificar e mercantilizar a vida e a natureza, gerando destruição e desigualdades, mesmo em nome de empregos, não passa de abertura de uma nova frente de negócios. O tema da governança, também na pauta, não passa de outro engodo, pois se trata de empoderar organismos na ONU para a regulação do “negócio verde”.

Para completar, o formato não é de uma cúpula, mas de uma conferência de nível ministerial, esvaziada por definição.

A nascente cidadania planetária, em sua diversidade de identidades e vozes dissonantes, não tem nada a esperar da Rio+20. Precisamos acreditar na nossa capacidade de instituintes e constituintes, chamados a destampar contradições e fazer avançar a história em certos momentos. Penso que estamos diante de um grande desafio e de uma possibilidade.

O desafio é ter ousadia para sonhar as mudanças impossíveis que a humanidade e o planeta precisam para mudar de paradigma. O desafio é, também, ter a coragem de fazer propostas vistas como impossíveis e agir para torná-las possíveis. É assim que se fez a história humana, com seus caminhos e descaminhos.

A possibilidade é aproveitar o tempo daqui até a conferência Rio+20 e a sua realização e inverter o jogo, criar a o espaço vibrante da cidadania mundial pela sustentabilidade da vida e do planeta. Ao invés de reagirmos ao que se propõe e discute na conferência oficial ou de fazer eventos paralelos, na volta, façamos com que o evento principal seja o da cidadania, cabendo aos representantes da conferência oficial reagir ao que propomos e demandamos.

O método é o nosso método da cidadania ativa, onde o número mobilizado em torno a uma causa vira qualidade política e forças transformadora. Precisamos ocupar e alargar o espaço público, politizar a economia e a vida, radicalizar as demandas democratizando a própria democracia, desta vez diversa, mas de dimensões e impacto planetário. A receita é simples: mobilização, participação e pressão, acreditando na força de nossos sonhos e ideias, formulando propostas ousadas.

Façamos da Rio 2012 um momento de indignação planetária e de virada cidadã. Precisamos fazer valer nosso poder cidadão, com o seu enraizamento profundo na diversidade do que somos e situações que vivemos, na força de nossas ideias, a riqueza de nossas experiências de construção do futuro aqui e agora, na nossa capacidade de construir redes e mobilizar, na nossa incidência política. Como diz o poeta, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

(Por Cândido Grzybowski*, Ibase / Outras Palavras, 09/09/2011)

* Sociólogo e diretor do Ibase


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