Verônica Benitez tem 41 anos; Casimiro Bordon Ibanez, 55 e Elton Ferreira da Silva, 26 são funcionários da JBS Friboi em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Em comum, além da convivência com a dor, alavancada pelas lesões por esforço repetitivo, um desejo enorme de justiça.
Se não tão grande, pelo menos à altura da maior produtora mundial de carnes que, de Campo Grande, exporta para países como Alemanha, Japão e Rússia. As duas unidades ali sediadas abatem em torno de 3.200 cabeças de gado por dia com somente 2.500 trabalhadores. Um feito.
A vontade expressa em tom de protesto é de que o ritmo alucinado imposto pelas chefias para cumprir metas cada vez mais estapafúrdias tenha fim com fiscalizações e autuações que não promovam a impunidade, como vem ocorrendo.
Informados sobre os dez bilhões destinados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES à JBS Friboi, que comprou recentemente com dinheiro público o frigorífico Bertin, o olhar dos três foi um misto de incredulidade e raiva. Talvez como a maior parte dos leitores.
"Não consigo tirar ou vestir a blusa"
“Eu trabalhava na triparia tirando o sebo com a tesoura para cozinhar e embalar. É questão de segundos e vai caindo tripa e mais tripa, o que deixa muita gente doente pelo ritmo. Lá dizem que tem 70 trabalhadores, mas se trabalham 40 é muito porque muitos acabam pegando atestado por não suportar o ambiente ou estão encostados na Previdência. E aí quem fica ali tem que dar conta do serviço todo e se arrebenta”, explica Verônica.
Passados dois anos, o assédio moral convertido em “pressão psicológica” para cumprir metas cada vez mais inatingíveis rendeu bons resultados para a empresa, que vitaminou suas exportações, enquanto a trabalhadora foi uma das que ficou com o prejuízo. O laudo de Verônica aponta para a existência de um edema, além de “bursite subacromial” e “tendinite do supraespinhal e subescapular” que a incapacitam para o trabalho.
“Agora, a empresa diz que não têm nada com isso. Mas não foi lá que adquiri estas lesões? Se a gente chegava com um atestado de 15 dias, tiravam dez e só davam cinco, com o médico da empresa remanejando de função, fazendo as pessoas trabalharem doentes. Então, de quem é a culpa?”, questiona a operária.
Recebendo do INSS “auxílio-doença”, já que “a JBS tem como norma não reconhecer o acidente de trabalho”, Verônica vem pagando consultas e remédios do próprio bolso. “Não consigo tirar ou vestir a blusa, pentear o cabelo ou erguer o braço”, desabafa.
Direto ao assunto
“Faqueiro de esfola”, que derrubava o bucho do animal, “subindo e descendo todo o dia”, seu Casimiro está “encostado” há um ano e oito meses. Ressonância magnética em punho, já vai direto ao assunto: “foi acidente de trabalho, mas a empresa não reconhece. Eles vão tapeando a gente, até que não dá mais”.
A conclusão do médico Antonio Olinto Furtado aponta para a existência de uma infinidade de cistos, rupturas e derrames, e da necessidade de uma cirurgia, que Casimiro aguarda ansioso – e se esforça muito para concretizá-la - há oito meses.
Completamente abandonado pela empresa, está tomando “remédio controlado”, sempre mais caro. Por isso a palavra “controlado” é sempre dita com os olhos pra cima e as mãos no bolso. Para completar, de três em três meses ele precisa pagar médico particular. O que significa R$ 150,00 para conseguir o laudo, “porque senão o perito não aceita e teria de voltar a trabalhar”.
São dez fisioterapias todo o mês, pelas quais também precisa pagar pelo deslocamento, pois vive a cerca de dez quilômetros do local do tratamento. Como faqueiro de qualidade, recebia R$ 1.163 mensais, reduzidos atualmente a pouco mais de R$ 680,00.
Inconformado com o desrespeito, parece repetir o refrão da música: Quem é que vai pagar por isso?
Moendo a juventude
Mais novo dos três, Elton teve no frigorífico o seu primeiro acidente de trabalho. “Cheguei de manhã, normal. Foi tudo muito rápido. Quando vi já estava com o braço travado dentro da máquina, urrando de dor e pedindo socorro”. Elton lembra que quando a temperatura esfria começam os pedidos de mocotó – a pata do boi.
“Então precisa da polideira, na qual vão duas buchas de aço para tirar o pelo do mocotó. O problema é que tinha uma aglomeração de gente na seção para tocar a produção – cerca de 1.500 pés por dia. Tudo parecia ping-pong, com a gente cagando a alma pela pressão. E o meu braço ficou assim”, mostra.
Cheio de pinos, o braço engessado deveria ter passado por uma avaliação médica no dia 23 de agosto. Como não havia médico no sistema público de Campo Grande para realizar o trabalho, e a JBS não deu qualquer apoio para amenizar o sofrimento numa clínica particular – inviável para quem ficou por conta do auxílio do INSS - a consulta foi remarcada para o dia 20 de setembro.
“O braço ainda dói’, desabafa. Enquanto a palavra cala, como se já bastasse o que foi dito, o olhar expressa o peso do abandono e o clamor pela justiça que anda muito devagar por aqueles lados.
(Por Leonardo Wexell Severo, CUT / IHU On-Line, 10/09/2011)