Enquanto a tendência no mundo industrializado é frear os planos de desenvolvimento da energia nuclear devido ao sinistro de 11 de março no Japão, na Argentina aumenta a capacidade das centrais existentes e são erguidos novos reatores. Alemanha e Suíça estabeleceram prazo fixo para suas centrais, um plebiscito na Itália mostrou uma grande rejeição a esta tecnologia e na França estuda-se reduzir os investimentos no setor.
Entretanto, isso está longe de ocorrer na Argentina, onde o governo de Cristina Fernández assinou, na última semana de agosto, contratos para prolongar a vida útil de uma das duas centrais existentes no país, anunciou que está perto de inaugurar a terceira e promete uma quarta para antes de 2020.
E tudo isso apesar de a maioria dos argentinos – embora não o expresse ativamente – estar contra continuar investindo neste tipo de energia cara e perigosa, segundo pesquisa encomendada este ano pelo Greenpeace local. A pesquisa mostra que 66% dos entrevistados consideram a energia nuclear “perigosa” ou “muito perigosa”, 74% afirmam que deveria ser eliminada esta opção da matriz energética e apenas 16% querem aumentá-la.
Em conversa com a IPS, o engenheiro Ernesto Boerio, do Greenpeace, recordou que o plano nuclear, que esteve parado nos anos 1990, voltou em 2006 e se expande vigoroso, apesar do impacto do terremoto e posterior tsunami de março nas centrais japonesas de Fukushima.
“Por necessidade de eletricidade, o governo avança em todas as frentes, mas porque, na Argentina, o setor nuclear tem seu peso, seu poder, e conseguiu continuar influindo sobre a direção política para manter os investimentos”, acrescentou.
A Argentina é um dos três países latino-americanos, junto com Brasil e México, que podem desenvolver um programa nucelar e, embora esse projeto hoje tenha fins pacíficos, nasceu sob a órbita militar com a ideia de dominar a tecnologia. Desde 1974, opera no país Atucha I, na província de Buenos Aires, a apenas cem quilômetros da capital nacional, com potência de 370 megawatts (MW), e desde 1984 está funcionando Embalse, na província de Córdoba, com 648 MW.
Na década de 1990 o plano parou, mas, em 2006, foi retomada a obra interrompida de Atucha II, que será inaugurada no ano que vem e fornecerá 745 MW. Além disso, está em estudo uma quarta central, com 1.000 MW, para 2020. Atualmente, a contribuição nuclear para a matriz energética argentina é de 5% a 7%. Com Atucha II, que fica ao lado de Atucha I, chegaria a 12%.
Também existe um novo protótipo de reator projetado na Argentina, o Carem. É pequeno, de 50 MW, e para pesquisas, mas, segundo Boerio, pode ser convertido em uma central.
Neste contexto, o governo acaba de assinar acordos para prolongar a vida útil de Embalse e aumentar sua potência. O Ministério do Planejamento e os órgãos governamentais do setor se comprometeram a investir US$ 1,366 bilhão, dos quais US$ 440 milhões são contratos com firmas estrangeiras, para prolongar a vigência de Embalse.
A iniciativa causou indignação na Fundação para a Defesa do Ambiente (Funam), com sede em Córdoba, onde fica Embalse. A organização denunciou que a decisão do governo é “ilegal”, segundo disse à IPS seu diretor, Raúl Montenegro. “Além de não fazer o estudo de impacto ambiental correspondente, não houve nenhum tipo de consulta e nem audiência pública. Parece que esse tipo de ferramentas de controle são apenas enfeites quando se trata de energia nuclear”, ressaltou.
Para Montenegro, que recebeu o prêmio Nobel Alternativo em 2004, “o programa nuclear argentino continua tendo o mesmo componente de autoritarismo e de segredo com que nasceu durante governos militares”.
E acrescentou que “é como se a democracia não tivesse chegado à área nuclear. Em lugar de organismos nucleares se democratizarem, conseguiram convencer os governos constitucionais a manterem procedimentos secretos e não realizar consultas”.
Montenegro não descarta a existência de funcionários que acreditam de boa fé na energia nuclear como símbolo do desenvolvimento, mas disse que não há nenhuma relação entre o “raquítico” aporte de 5% ou 7% de eletricidade e o custo que tem o programa. “Na Argentina, o desenvolvimento não nasceu com a ideia de produzir eletricidade”, alertou, dizendo que não só o governo “se deixou convencer pelo lobby nuclear como a sociedade não teve um debate amplo sobre este tema”, acrescentou.
Para este ativista, Embalse é particularmente perigosa por estar sobre uma falha onde foram registrados tremores de diversa magnitude no Século 20. Além disso, recordou que a central apresentou múltiplos incidentes por falta de projeto nos reatores.
Entretanto, não é só a usina que causa preocupação, mas os depósitos de combustível esgotado, que estão junto das centrais e que mantêm o risco por 240 mil anos. Essa ameaça se multiplica ao prolongar a vida útil de Embalse, alertou Montenegro.
As autoridades asseguram que para essa prolongação serão feitos estudos sísmicos em Embalse, mas o ativista recordou que não é apenas esta a ameaça. Também pode haver incidentes internos, atentados terroristas ou acidentes aéreos sobre a central.
A Funam denunciou que os moradores da área de Embalse e os vizinhos de Atucha não estão preparados para um acidente. As simulações são feitas apenas a dez quilômetros à sua volta, mas em caso de um acidente a radiação pode chegar a 500 quilômetros, alertou.
“Não preparam as pessoas para não levantarem o assunto, mas o risco existe e é aterrador”, advertiu a entidade. Somente em Rosário, segundo a Funam, uma cidade muito povoada da província de Santa Fé, o risco é múltiplo porque está ao alcance de Embalse e de Atucha que se prepara para ser um parque atômico, como o de Fukushima.
(Por Marcela Valente, IPS / Envolverde, 05/09/2011)