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2011-09-02 | Rodrigo

No dia 19 de agosto o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) expediu a Licença de Instalação (LI) da hidrelétrica Teles Pires a ser construída no rio Teles Pires. Ela é uma das seis hidrelétricas inicialmente planejadas nesse rio. O mais curioso é que quatro delas estão sendo licenciadas pelo Ibama e outras três, Sinop, Colíder, Foz do Apiacás e Magessi (esta última já excluida do complexo), pela Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA).

No dia anterior, 18 de agosto, o Ibama havia publicado o aceite do EIA/RIMA da Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel, mais uma hidrelétrica também no rio Teles Pires. Os estudos ambientais do projeto da UHE São Manoel  estão sendo analisados no Ibama, mas num processo independente da UHE Teles Pires.

O outro projeto, UHE Foz do Apiacás (que será licenciado pelo estado do MT e não pelo Ibama), está planejado para ser construído na foz do rio Apiacás no Teles Pires bem ao lado da UHE São Manoel e exatamente na divisa da Terra Indígena Kayabi e Munduruku (ver mapa).  

Em 2008 e 2009, foram realizados estudos preliminares das Terras Indígenas Kayabi e Munduruku, nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) das UHEs Foz do Apiacás e São Manoel, para atender os Termos de Referência da Sema de MT e do Ibama, respectivamente.          

As UHEs São Manoel e Foz do Apiacás planejadas para o rio Teles Pires estão sendo licenciadas por dois órgãos diferentes -  um federal, Ibama e um estadual Sema de MT,  mas o Estudo do Componente Indígena (ECI) é único para as duas hidrelétricas.  Mais grave ainda é que ambas estão na divisa com as TIs Kayabi e Munduruku. 

Em julho de 2011, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentaram uma complementação ao ECI da UHE São Manoel, pedida pela Funai. No início deste ano a Funai havia emitido um parecer questionando a avaliação dos impactos dos dois empreendimentos sobre as comunidades indígenas, no ECI de agosto de 2010.

O ECI das UHE São Manoel e Foz do Apiacás tem como foco principal os impactos sobre as comunidades indígenas que estão nas áreas de influência dos projetos, em particular nas Terras Indígenas (TI) Kayabi e Munduruku. Três etnias diferentes vivem nessas terras: Apiaká, Kayabi e Munduruku.

Uma lida na complementação de 351 páginas mostra um relatório das relações históricas dos grupos indígenas do Baixo Teles Pires com o qual eles convivem por pelo menos dois séculos.

Comprova também a vulnerabilidade desses grupos além de expor a importância das áreas protegidas, as Tis Munduruku, Kayabi e Sai-Cinza e as unidades de conservação, na garantia da integridade física e biótica dos recursos naturais. A revisão das matrizes de impactos serviu apenas para atender às solicitações da Funai, pois a decisão já tinha sido tomada.

Tudo não vai além da pura praxe. Esse é mais um estudo, como tantos outros apresentados nos processos de licenciamentos, que comprova que os povos indígenas sofrerão todos os impactos diretos.  Eles serão as principais vítimas sem terem o mínimo conhecimento do tamanho da hecatombe que vai atingí-los, se o governo levar adiante a construção das três hidrelétricas.

Na verdade, o governo está com pressa porque as energias alternativas – solar fotovoltaica e eólica – estão ganhando espaço, rapidamente, no Brasil e no mundo. A energia vendida no último leilão de eólica ficou em menos de R$ 100 o MWh.

Empresas barrageiras, públicas e privadas, mantidas por um esquema de coronelismo do século XXI, que constroem grandes e pequenas barragens, estão exigindo mais celeridade no processo de licenciamento ambiental das hidrelétricas. Querem garantir rapidamente a total exploração do potencial da Amazônia, antes que as alternativas verdadeiramente limpas ocupem o mercado. 

Já não há mais como aceitar a construção de hidrelétricas que desalojam, ameaçam povos indígenas e destroem a biodiversidade. A sociedade está cara a cara com os problemas sociais e ambientais, nas obras das usinas do Madeira e Belo Monte, agora expostos sem o filtro dos falsos programas de compensação e mitigação.

O inventário do Teles Pires
Os estudos de inventário do rio Teles Pires concluíram pela viabilidade de seis UHEs – cinco delas no rio Teles Pires e uma no rio Apiacás – num total de 3.697 MW de potência instalada e 1.961 MW médios.

Em 2009 a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgou a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) do rio Teles Pires e as Diretrizes da Bacia Hidrográfica do Rio Teles Pires, sub-bacia do Tapajós, para finalizar os estudos ambientais no âmbito dos estudos de viabilidade do Complexo Teles Pires. A AAI, no entanto, não serviu para que os projetos hidrelétricos planejados para o rio Teles Pires e seu afluente, rio Apiacás, fossem objeto de licenciamento integrado.

O Ministério Público do Estado do Mato Grosso questionou o licenciamento da UHE Sinop em duas ações civis públicas. A primeira por entender que o rio Teles Pires é um rio federal e que, então, a competência do licenciamento de todas as usinas caberia ao Ibama e não ao órgão estadual. A segunda, ajuizada no dia 29 de julho de 2011, apresentou relatórios de dois especialistas da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) que comprovam vícios insanáveis do EIA/RIMA.

O Ministério Público Federal do Pará também apontou a ilegalidade no licenciamento isolado da UHE Teles Pires; além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou, em relatório, que os estudos ambientais da UHE Teles Pires não são aceitáveis e não atendem à legislação.

Nos dois casos os ministérios públicos pediram liminares para parar os processos. As ações tramitam na justiça e apesar de receberem sentença favorável dos juízes de primeira instância, que concederam as liminares para suspender os licenciamentos, o governo federal conseguiu reverter as decisões.

No rio Teles Pires está prevista, também, a construção de três eclusas para tornar navegável o trecho que vai do município de Sinop, em MT, até a confluência com o rio Juruena, onde começa o rio Tapajós, no PA.  Os “obstáculos” naturais do trecho encachoeirado das Sete Quedas teriam que ser removidos, fato omitido no EIA. A Avaliação Ambiental Integrada (AAI) não considerou os impactos cumulativos e sinérgicos decorrentes da construção das eclusas.

A navegação no trecho encachoeirado das Sete Quedas só é possível com outra usina a montante (rio acima) e um reservatório que alcance a barragem da UHE Teles Pires: a hidrelétrica São Manoel (já em processo de licenciamento) em local que está cerca de 40 quilômetros a jusante (rio abaixo) da barragem da UHE Teles Pires. 

Os Munduruku e Kayabi
Os Munduruku vivem no ambiente da floresta e nas áreas de savana da Amazônia, chamadas de “campos do Tapajós”, no vale do rio Tapajós. Sua cultura é ancestral, com aldeias circulares e praças centrais. As atividades de subsistência dos Munduruku são ritualísticas: agricultura, caça, pesca e coleta. As terras ocupadas pelos Munduruku estão seriamente ameaçadas pelas hidrelétricas e pela construção simultânea de eclusas para transformar o Tapajós e o Teles Pires em rios totalmente navegáveis.

Desde a segunda metade do século XIX, a Bacia do Tapajós e a sub-bacia do Teles Pires vêm sofrendo pressões que começaram com a expansão da exploração da borracha. O geógrafo inglês Chandless observou, em 1861, a presença de seringueiros na embocadura do rio Teles Pires com o Juruena, onde começa o rio Tapajós. Já na década de 1920 um grupo indígena Kayabi desceu o rio Teles Pires em direção ao Alto Tapajós e se fixou na região do Cururuzinho, onde hoje está a Terra Indígena Kayabi.

O Vale do Tapajós foi ocupado historicamente pelos Munduruku que lá permanecem até hoje e a região ficou conhecida no século XIX como Mundurukania. Os primeiros contatos com os Munduruku são de 1768. No século XVIII eles enveredaram por regiões entre os rios Tapajós e Madeira, alcançaram os rios Xingu e Tocantins até chegar ao limite leste da Floresta Amazônica.[1]

Os Munduruku se espalham pelo sudoeste do estado do Pará - calha e afluentes do rio Tapajós, nos municípios de Santarém e em Itaituba e Jacareacanga, onde está a Terra Indígena Munduruku. São 6.935 indígenas em 101 aldeias (dados de 2007, colhidos na Funasa de Itaituba), no leste do Pará – rio Canumã, em Nova Olinda, e próximo à Transamazônica, em Borba. Os Munduruku estão preocupados, hoje, em garantir sua sobrevivência, preservar sua cultura e manter a integridade de seu território.

Atualmente as principais ameaças ao povo Munduruku são as pressões impostas pela atividade garimpeira de ouro e pelos planos do governo de construir hidrrelétricas.  Em 2009, os Munduruku enviaram uma carta de protesto ao Presidente da República em que manifestaram sua preocupação com a construção do Complexo Tapajós.[2] Os Munduruku têm uma relação muito estreita com os rios Teles Pires e Tapajós.

Outra Terra Indígena, a Kayabi, onde convivem três etnias – Kayabi, Apiacá e Munduruku, se estende pelos municípios de Jacareacanga, no Pará, e Apiacás, em Mato Grosso. Ela é contígua à Terra Indígena Munduruku; são separadas, em parte, no sentido longitudinal, por um longo trecho de cachoeiras, corredeiras, saltos e ilhas do rio Teles Pires. A Terra Indígena (TI) Kayabi acompanha o rio Teles Pires ao longo de 280 quilômetros.

A Funai aprovou uma ampliação da TI Kaybi em 1999, porém uma Comissão Pró-Hidrovia Teles Pires-Tapajós, do Rotary Internacional de Alta Floresta (MT) e o exército brasileiro conseguiram fazer oposição. Em 2002, depois de confirmada a demarcação da TI, novas ações interpostas por fazendeiros e acatadas pela Justiça Federal suspenderam a demarcação.

A regularização fundiária – títulos de propriedade dados pelo estado - ainda é o principal obstáculo para finalizar o processo de demarcação da Terra Indígena Kayabi. Conflitos e concessões de liminares têm pautado essa história, embora o território conste dos mapas oficiais da Funai.

Além das usinas do rio Teles Pires, os estudos ambientais de outras hidrelétricas no rio Tapajós já estão sendo elaborados. O município de Jacareacanga é considerado uma "cidade" indígena com 60% de seu território cercados pelas terras dos Saí Cinza, Mundurucânia, Kayabi e Munduruku. A Terra Indígena Munduruku é a maior e ocupa 12% da bacia do Tapajós.

Os direitos desrespeitados
Os direitos dos povos indígenas são garantidos no artigo 231 da Constituição Federal do Brasil que confere a eles a posse permanente e o uso exclusivo de suas terras. A falta de demarcação das terras indígenas favorece a invasão, cria conflitos e coloca em risco sua cultura. A terra homologada resguarda a moradia, a sobrevivencia  e os locais sagrados.

O governo federal determinou a construção das UHEs no Teles Pires e no Tapajós sem respeitar e ouvir as comunidades e sem consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas que serão afetados.  A consulta prévia, livre e informada assegurada pela Constituição Federal e, é um procedimento que deve vir antes do estudo de inventário, quando a decisão ainda não foi tomada.

A convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, da qual o Brasil é signatário, estabelece, como conceitos básicos, a consulta e a participação dos povos indígenas interessados e o direito desses povos de decidir sobre suas próprias prioridades de desenvolvimento.

As decisões políticas do governo brasileiro desconsideram a Convenção 169 ao impor a construção de aproveitamentos hidrelétricos em Terras Indígenas. As vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria essência do indivíduo serão irremediavelmente afetados. Mitigação, aí, é um eufemismo para a destruição.

(Blog da Telma Monteiro, 22/08/2011) 


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