Suíço Werner Arber está no Brasil para o Congresso Brasileiro de Genética. Para ele, engenharia genética será arma contra fome e desnutrição
O uso da engenharia genética para criar culturas agrícolas mais eficientes é um dos temas mais polêmicos da ciência contemporânea. Mas para Werner Arber, microbiólogo suíço que levou o prêmio Nobel de Medicina de 1978, um dos nomes mais respeitados da genética mundial, não há nada a temer nos transgênicos.
“Eu acho que é uma informação com motivação política, sem nenhum bom embasamento científico”, disse o cientista, que veio ao Brasil para participar do 57º Congresso Brasileiro de Genética, em Águas de Lindoia (SP).
Para ele, o medo que muitos têm da novidade é gerado e explorado de forma oportunista. “Políticos sempre propagam coisas esperando conseguir eleitores, e eles escolheram a engenharia genética como alvo”, completou.
“Onde moro, na Suíça, uma professora de biologia foi uma opositora ferrenha da engenharia genética por 10 ou 20 anos. Ela é inteligente, às vezes eu converso com ela. Um dia, ela me pediu alguns artigos sobre a evolução biológica, ela sabia que eu trabalho com isso, que publico. Desde que dei os artigos para ela ler, ela ficou quieta, não propagou mais ideias contra a engenharia genética, compreendeu que estava errada. Não me disse que estava errada, mas fiquei orgulhoso por ensiná-la”, contou Arber, rindo.
“É só transferir um gene”
Para o cientista, o ser humano não comete nenhum exagero quando, por exemplo, coloca no milho material genético de uma determinada bactéria para torná-lo mais resistente às pragas. “Isso é só transferir um gene, o que talvez pudesse acontecer na natureza. A chance é muito pequena, mas isso pode acontecer”, lembrou.
“De acordo com a seleção natural darwiniana, se o híbrido ou o resultado dessa troca, seja ela natural ou fruto da engenharia genética, não for viável, não se propagará. Se for uma vantagem, vai se manter com o tempo. É assim que eu vejo a evolução”, opinou Arber.
Prioridades
Na visão do cientista, é preciso fazer com que as lavouras fiquem mais fortes, pois expandir as áreas plantadas não é uma opção. Isso implicaria desmatamento, que afetaria ainda mais a biodiversidade.
Para ele, a principal contribuição que a engenharia genética pode trazer à humanidade diz respeito às lavouras geneticamente modificadas, para melhorar a alimentação. Ele dá o exemplo do arroz enriquecido com vitamina A, que já foi feito com sucesso por cientistas. A técnica poderia se tornar corriqueira para combater a cegueira noturna, assim como o acréscimo de iodo ao sal reduziu os casos de bócio no passado.
“Na Europa, ninguém precisa disso, mas há lugares com grandes populações e pouca variedade de alimentos”, destacou. Além disso, a ciência pode deixar as plantações mais resistentes, tanto antes da colheita quanto no armazenamento.
“Na minha opinião, dentro de duas ou três gerações humanas será possível usar a engenharia genética nas lavouras mais importantes”, acrescentou.
“Processo contínuo”
Mesmo sendo protestante, Arber ocupa o cargo de presidente da Pontifícia Academia das Ciências, que assessora o Vaticano cientificamente. Ele conta de que já conseguiu convencer vários bispos, principalmente os africanos, de que a engenharia genética pode ser decisiva na luta contra a fome.
“A criação não é um evento único, é um processo contínuo”, argumentou o microbiólogo. “A esperança é que, por meio da Igreja, consigamos atingir um público maior”, disse o cientista, ressaltando a importância do trabalho nessa frente.
Na lista de prioridades elaborada por Arber, a aplicação médica aparece em seguida, como uma função importante da engenharia genética. O combate à poluição – bactérias modificadas podem eliminar toxinas do meio ambiente, por exemplo – também é classificado como prioridade alta.
Como baixa prioridade, o cientista cita o uso em plantações que não servem para nossa alimentação: produção de rações para animais, de commodities, como o algodão, e de biocombustíveis.
(Por Tadeu Meniconi, G1, 31/08/2011)