O maior salto longitudinal do mundo, o Salto do Yucumã, corre o risco de ficar submerso e desaparecer. O alerta é de pesquisadores e ambientalistas diante do projeto de construção das usinas hidrelétricas de Panambi e Garabi no rio Uruguai, na fronteira entre Brasil e Argentina. Ainda não há estudos técnicos sobre a potencial ameaça à beleza natural, mas a usina Foz do Chapecó, também no rio Uruguai, já teria impactado no Salto do Yucumã.
“Só depois dos estudos técnicos se poderá afirmar com precisão os impactos socioambientais dos projetos. Mas isso não quer dizer que não se possam citar impactos que ocorrem na maioria dos casos de construção de represas”, aponta a jornalista Elisangela Soldateli Paim, doutoranda em Ciências Sociais na Universidade de Buenos Aires (UBA), que pesquisa a integração hidroenergética entre Brasil e Argentina.
De acordo com a Eletrobras, ainda não foram realizados os estudos sobre os impactos ambientais da construção das usinas. A empresa garante, no entanto, a preservação do Salto do Yucumã. “Essa premissa se mantém para a próxima etapa dos estudos, quando investigações mais detalhadas serão realizadas para a definição final do projeto, e quando os órgãos ambientais se manifestarão nos processos de licenciamento”, informa a assessoria de imprensa da estatal.
O projeto das usinas, localizadas entre o Rio Grande do Sul e nas províncias argentinas de Misiones e Corrientes, é resultado da parceria entre a estatal brasileira com a empresa argentina Emprendimientos Energéticos Binacionales S.A. (Ebisa). A Ebisa lançou um edital internacional para a contratação de estudos ambientais e de engenharia, além do plano de comunicação das duas usinas, que poderão ser iniciados ainda esse ano.
O alerta sobre os possíveis riscos ao Salto do Yucumã vem do impacto já constadado na construção da usina Foz de Chapecó. Segundo ambientalistas e autoridades da região, a usina já trouxe prejuízos.
“A visibilidade do Salto já está menor. Ali é um afundamento do leito do rio e, por conta disso, aquelas cachoeiras ficam visíveis. Com essas novas represas, o Salto praticamente desapareceria e só poderia ser observado quando houvesse grandes secas”, afirma o professor de Jornalismo do Centro de Educação Superior (Cesnors) em Palmeira das Missões, Carlos Dominguez, coordenador do projeto de extensão “Salve o Salto do Yucumã”.
De acordo com Dominguez, mesmo que o Salto não seja totalmente inundado, parte dele pode ficar debaixo d’água, comprometendo a beleza do ponto turístico. Em março deste ano, prefeitos do norte do RS alertaram que as usinas de Itá e de Foz do Chapecó já impactam o Salto do Yucumã, ameaçando o aproveitamento turístico pela região.
Além do risco à beleza natural, os grupos organizados reclamam da ausência de informações sobre os impactos sociais empreendimento, que deve começar a ser construído em 2012, com recursos da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).
“Não temos muita clareza sobre as reais consequências, pois poucas informações foram repassadas e as audiências públicas não são muito divulgadas”, critica Neudicléia de Oliveira, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). “As construções das barragens ainda não são um fato consumado, mas este processo de estudos técnicos é muito rápido. Se não houver resistência, as construções podem iniciar ainda em 2012, tendo em vista os grandes interesses em jogo”, diz Neudicleia.
Mesmo sem o estudo definitivo, a população questiona os projetos na região, principalmente porque muitos conhecem os impactos socioambientais negativos de outras hidrelétricas. Nesta região já foram construídas sete grandes hidrelétricas: são as usinas de Passo Fundo, Itá, Machadinho, Barra Grande, Campos Novos, Monjolinho e Foz do Chapecó.
Panambi e Garabi formarão lagos que inundariam 96.960 hectares. A construção de ambas representaria um custo superior a U$S 5,2 bilhões, com capacidade instalada total estimada em 2.200 MW. Em termos comparativos, Belo Monte terá potência instalada de 11.233 MW.
Movimentos sociais organizam resistência ao projeto
De acordo com a Eletrobrás, a região mais afetada será a província de Misiones, na Argentina. No Brasil, serão afetadas as cidades de Garruchos, São Nicolau, Porto Xavier, Alecrim e Porto Mauá.
A mobilização popular é mais intensa no lado argentino do que nos municípios gaúchos, até mesmo porque existem legislações específicas para barrar construções de barragens. “A lei antirrepresas, aprovada em 1997 na Província de Entre Ríos, é única no mundo que impede a construção de represas em território da Província de Entre Rios”, diz a pesquisadora Elisangela Soldateli Paim.
Além disso, também existe um plebiscito realizado em Misiones, em 1996, no qual 90% da população votou contra a construção da hidrelétrica binacional de Corpus (entre Argentina e Paraguai). “Atualmente existem mobilizações para que se respeite essa decisão, pois assim como ‘voltou’ o projeto Garabi, também ‘voltou’ o projeto Corpus”, explica Elisangela. Os movimentos comunitários de Misiones trabalham para apresentar uma lei que impeça a construção de Garabi.
No Brasil, os movimentos de resistência à construção de barragens estão sendo articulados pelas igrejas Luterana e Católica, com a presença de ambientalistas e integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na região de Panambi. A integrante do MAB, Neudicléia Oliveira, informa que o movimento está atuando tanto em Missiones quando na Região Celeiro do lado brasileiro.
“Nos do MAB estamos nos organizando para nos aliarmos aos movimentos de resistência as províncias argentinas. Lá o processo é diferente do Brasil, por isso estaremos alertando a população atingida do lado brasileiro”, disse.
(Por Vivian Virissimo, Sul 21 / MAB, 29/08/2011)