Os olhos podem não ver, mas o corpo certamente vai sentir o seu peso. Levantamento realizado pela bióloga Rachel Ann Hauser Davis, aluna de doutorado em Química Analítica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), revela que alguns dos peixes mais comuns pescados, e consumidos, em diversos locais do Rio apresentam altos níveis de contaminação por metais pesados.
Acumulados no organismo, estes elementos podem provocar sérios problemas de saúde, como câncer, danos celulares, mal de Parkinson, impotência, alucinações, insônia, anorexia e dificuldades de memória, entre outros.
Rachel recolheu amostras de mais de cem tainhas e tilápias capturadas nas lagoas Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio, do Ipiranga, em Magé, de Itaipu, em Niterói, de Jacarepaguá, na Zona Oeste, e no mar em frente à Praia de Copacabana, além de exemplares vendidos em feiras e supermercados.
Utilizando métodos de espectroscopia e espectrometria, a bióloga mediu a presença de cromo, cádmio, manganês, níquel, cobre, zinco e chumbo nos peixes, constatando que muitos deles tinham níveis de contaminação pelos três primeiros metais muito além do limite recomendado.
- Mais de 50% dos peixes ficaram bem acima do recomendável – conta ela. – O mais preocupante é que a população não sabe que isso está acontecendo. Nem o consumidor final, nem o feirante nem o pescador têm a mínima ideia do problema. O pescador vende o que não vê e o consumidor compra o que não sabe.
No levantamento mais completo, feito em Ipiranga e Itaipu – e que será apresentado no 37º Colóquio Internacional de Espectroscopia (Colloquium Spectroscopicum Internationale), promovido pelo CTC-PUC-Rio a partir de domingo em Búzios – Rachel verificou que 43% das tainhas capturadas em Itaipu e 23% das pescadas em Ipiranga tinham níveis de cromo acima do limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é de 0,1 parte por milhão (ppm), sendo que em alguns casos eles chegavam a 2,5 ppm.
Já para o cádmio, a proporção de peixes contaminados além do limite de 0,05 ppm foi bem menor, 10% em Itaipu e 5% em Ipiranga, mas alcançando concentrações de até 10 ppm. Para o manganês, cujo limite é de 1 ppm, as tainhas de Itaipu tiveram o pior resultado da pesquisa, com 79% deles com níveis do elemento bem acima do recomendado, chegando a 3,7 ppm, contra novamente apenas 5% em Ipiranga, com uma máxima de 1,2 ppm. A grande contaminação dos peixes de Itaipu surpreendeu a bióloga.
- Em Ipiranga isso até era esperado em razão da grande poluição da Baía de Guanabara – diz. – Mas o mais preocupante é ver estes dados de Itaipu, pois é lá que muita gente vai para comprar peixe acreditando que são frescos e de águas limpas. Tanto que nas pesquisas que fiz na literatura científica Itaipu muitas vezes é citada como local de referência de baixa contaminação.
Já para os outros locais, Rachel admite que a quantidade de amostras avaliadas não é estatisticamente significativa para render um artigo científico formal. Ainda assim, uma grande proporção dos peixes apresentou problemas. Na Lagoa Rodrigo de Freitas, duas das 15 tilápias tinham mais cromo que o recomendado, enquanto três superavam o limite para cádmio. E das dez tainhas retiradas do mar em Copacabana, três tinham níveis altos de cromo, que variaram de 3 ppm a 6 ppm.
- Embora sejam poucos peixes, a contaminação é alta – destaca. – Os valores de Copacabana são maiores até do que os de peixes pegos na baía, num forte sinal de alerta de que é grande a contaminação por metais pesados na costa do estado do Rio.
Segundo o químico Reinaldo Calixto de Campos, decano do CTC/PUC-Rio e orientador da pesquisa de Rachel, as fontes de contaminação são variadas. Ele lembra que a Baía de Guanabara recebe efluentes de centenas e até milhares de indústrias no seu entorno, além de esgoto não tratado, lixo jogado diretamente nela ou trazido pelos rios e é vítima de repetidos vazamentos e derrames de óleo.
- Esta poluição vem se acumulando ao longo de anos na baía e no seu entorno, pois há também uma troca constante de água com o oceano – comenta, acrescentando que também ficou surpreendido com os valores da contaminação dos peixes de Itaipu. – Tudo isso se junta para conspirar contra a qualidade de vida da população do Rio.
Para os cientistas, no entanto, os altos níveis de contaminação por metal pesado de alguns peixes não deve ser motivo de alarme. Segundo eles, os dados da pesquisa devem ser usados para orientar ações de prevenção e monitoramento ambiental que ajudem a enfrentar o problema, além de educação e conscientização tanto de pescadores quanto de consumidores, que não devem capturar e comprar, respectivamente, peixes em áreas onde é sabido que a poluição é grande.
- Além dos níveis de metais acima do limite, encontrei muitos peixes infestados com tumores e parasitas – conta Rachel. – Esses são indícios de contaminação que os pescadores e consumidores devem estar atentos. Quando o peixe está na feira, muitas vezes já está limpo, o que apaga esses indícios.
Calixto, por sua vez, cobra ações integradas dos órgãos estaduais de meio ambiente para ajudar a monitorar e, quem sabe, reverter a situação:
- Temos que ter cuidado para não sermos alarmistas, mas a luz amarela está acesa. Isso significa que temos que criar sistemas de monitoramento de longo prazo para poder identificar as fontes de contaminação e tomar as medidas cabíveis para enfrentar o problema. E medidas de controle não são tão difíceis de implementar. Afinal, saneamento básico é uma tecnologia que tem mais de 150 anos. A sociedade tem que entender que a saúde é influenciada por muitos fatores e o custo de não cuidar disso é muito maior do que o de cuidar.
(Por Cesar Baima, Extra / EcoDebate, 29/08/2011)