Atualmente, cerca de 1,6 bilhões de pessoas vivem em áreas com escassez de água, e 2,6 bilhões não tem acesso a saneamento básico. E essa situação deve se agravar se a população continuar aumentando e chegar aos nove bilhões esperados para 2050. Pelo menos é o que indica a nova pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Instituto Internacional de Manejo da Água (IWNI), lançada nesta segunda-feira (22).
De acordo com o documento, intitulado Uma abordagem de serviços de ecossistemas para a água e a segurança alimentar, com as mesmas práticas agrícolas, o aumento da urbanização e os padrões alimentares atuais, a quantidade de água necessária para a agricultura aumentaria dos 7,13 mil quilômetros cúbicos para 70% a 90% a mais para suprir a população prevista para 2050. E isso acarretaria em prejuízos para a própria agricultura e para a vida humana.
No entanto, segundo o relatório, impedir as práticas agrícolas em determinadas regiões pode, ao invés de evitar a degradação de ecossistemas e recursos hídricos, piorar essa situação. “Proibições gerais contra o cultivo nem sempre reduzem a destruição do ecossistema e podem tornar as coisas piores”, declarou Matthew McCartney, co-autor do relatório.
McCartney cita o exemplo do gramado ‘dambo’ das zonas úmidas da África subsaariana, que fornece terras agrícolas para os camponeses da região. “Proibir a agricultura nessas áreas, no entanto, agravou, em vez de reduzir, a destruição do ecossistema. Elevou o desmatamento e levou a uma mudança da agricultura à pastagem nas zonas úmidas e isso tem um impacto muito maior nesses sistemas naturais”.
Por isso, os autores sugerem que é necessário integrar a agricultura com a proteção dos recursos naturais. “O que é necessário é um equilíbrio: práticas agrícolas apropriadas que apóiem a produção sustentável de alimentos e protejam os ecossistemas”.
“A agricultura é tanto a maior causa quanto a vítima da degradação do ecossistema. E não está claro se podemos continuar a aumentar a produção com as práticas atuais. A intensificação sustentável da agricultura é uma prioridade para a futura segurança alimentar, mas precisamos desenvolver uma abordagem mais integrada”, declarou Eline Boelee, editora científica do IWMI.
Para David Molden, vice-diretor geral para pesquisa do IWMI, já é possível perceber um movimento que prioriza essas soluções conjuntas. “Estamos vendo uma tendência crescente de alianças entre grupos tradicionalmente conservacionistas e os preocupados com a agricultura”.
“As várias alianças políticas, comunitárias e de pesquisa que estão surgindo agora estão desafiando a noção de que temos que escolher entre a segurança alimentar e a saúde do ecossistema, deixando claro que não podemos ter uma sem a outra”, explicou Molden.
O vice-diretor geral para pesquisa do IWMI enfatizou que é necessário mudar nosso modo de lidar com a agricultura o quanto antes para que a situação não se torne irreversível. “É essencial que no futuro façamos as coisas diferentemente. Há uma necessidade de uma mudança seminal na forma como as sociedades modernas veem a água e os ecossistemas e na forma como nós, pessoas, interagimos com eles”.
“Precisamos pensar em como direcionar a agricultura cada vez mais para a ‘economia verde’, na qual valorizamos práticas agrícolas que protegem nossos preciosos recursos hídricos, da mesma forma como estamos começando a valorizar a gestão florestal que ajuda a reduzir as emissões de gases do efeito estufa, especialmente porque esses recursos naturais sustentam a subsistência dos mais vulneráveis”, disse Colin Chartres, diretor do IWMI.
“O manejo da água para a alimentação e para os ecossistemas trará grandes benefícios, mas não há como escapar da urgência desta situação. Estamos caminhando para um desastre se não mudarmos nossas práticas costumeiras”, concluiu Molden.
Semana Mundial da Água
A publicação do estudo abriu os debates da Semana Mundial da Água, que acontece entre os dias 21 e 27 de agosto em Estocolmo, na Suécia. Neste ano, o evento tem como tema A água num mundo urbanizado, e os cerca de 2,5 mil participantes – entre especialistas, profissionais, líderes mundiais e inovadores empresariais – discutem questões relacionadas à água no ambiente urbano, como infra-estrutura, enchentes, poluição, acesso, políticas públicas etc.
“As cidades proporcionam grande economia de escala e oferecem oportunidades excelentes para o desenvolvimento de uma infra-estrutura eficaz, que possibilite um reaproveitamento maior da água e de resíduos, além de um uso mais eficiente da água e da energia”, afirmou Anders Berntell, diretor-executivo do IWMI.
Catarina de Albuquerque, relatora da ONU para o Direito Humano à Água e ao Saneamento, notou que infelizmente “existe ainda falta de conhecimento sobre o que este direito humano à água e saneamento implica. E implica que todas as políticas públicas deem prioridade às pessoas que são mais vulneráveis, às pessoas que estão esquecidas, que não têm voz, que estão nas zonas rurais, populações indígenas, pobres, pessoas que estão em favelas”.
Berntell alertou também que “estamos correndo o risco de perder a batalha na área de serviços de água e saneamento em muitas cidades do mundo, e essa é uma luta que não podemos nos dar ao luxo de perder”.
Um dos assuntos que está sendo tratado no encontro é a possibilidade e a necessidade de se criarem alternativas para o uso de água na questão do saneamento. “Temos obrigação de olhar, cada vez mais, para soluções de saneamento que não utilizem água. Estive no Japão há um ano, e eles reutilizam dentro das casas e apartamentos, têm sistemas de tubulação paralelos, que lhes permitem usar a água do banho para o saneamento”, comentou Catarina.
“É o resto da água do lavar as mãos, de tomar a ducha, ou da máquina de lavar roupas ou pratos que é utilizada no saneamento. Portanto temos que olhar mais para essas soluções que nos permitem reutilizar a água. Para que não tenhamos que utilizar água potável para o saneamento”, acrescentou ela.
Gunilla Carlsson, ministra sueca da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, lembrou que o acesso ao fornecimento de água limpa e saneamento é um fator que estimula o desenvolvimento. “Os custos da omissão excedem os custos do controle sustentável e funcional dos recursos aquáticos”.
(Por Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil, com informações da Rádio ONU e de agências internacionais, 23/08/2011)