Madrugada. O fogo na entrada dos acampamentos começava a receber mais gente. Era hora de se aquecer um pouco e partir para os rituais de benção e batizado dos documentos da Aty Guasu, que foram levados a Dourados, Mato Grosso do Sul, para a Marcha Indígena por Terra e Justiça e posterior entrega às autoridades. A principal avenida da cidade foi tomada pela “gente cor da terra”, os primeiros habitantes da região, que fizeram ecoar seus gritos de “queremos nossas terras”, “exigimos justiça”, “exigimos respeito e dignidade”.
Mais de 500 Kaiowá Guarani e Terena percorreram mais de três quilômetros da região central da cidade, na Avenida Marcelino Pires. Cantando e manifestando sua indignação e esperança, andaram alegremente pela avenida. Chamaram atenção dos comerciantes e transeuntes pelas vestimentas rituais, cocares, colares, pinturas, faixas e cartazes que carregavam.
Durante a caminhada, distribuíram o folheto “Em Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul”. Ali constam os índices alarmantes de violências cometidas contra as comunidades Kaiowá Guarani, confinadas ou acampadas à beira das estradas da região. “Não podemos aceitar calados e passivos tanta violência e impunidade. A sociedade precisa reagir a tanta infâmia e injustiça contra nossos irmãos indígenas, tratados pelo governo do estado de forma parcial e injusta”. E as chamadas nos dão a dimensão da gravidade da situação, “violência e barbárie estão às soltas no MS. A difusão do preconceito é uma das armas do latifúndio”.
Ao receberem o folheto, as reações dos cidadãos eram bem diversas. Alguns demonstravam seu tímido apoio à manifestação e outros expressavam sua contrariedade, movidos pelo preconceito secular e pela ideologia racista. A marcha prosseguiu por quase duas horas, até chegar ao prédio da Fundação Nacional do Índio (Funai), onde fizeram um rápido ritual para trazer os bons espíritos ao local e afastar tudo que pudesse prejudicar os direitos indígenas.
Na parte inferior do prédio, estava visível um grande pôster aonde o então presidente Lula e vários ministros faziam a entrega do prêmio de Direitos Humanos, dado aos povos indígenas do Mato Grosso do Sul através do Conselho da Aty Guasu. A estatueta foi levada ao centro da manifestação, para chamar atenção a esse importante reconhecimento da luta Kaiowá Guarani por seus direitos.
Mais violência sem providência
Lide Lopes, de Pyolito Kue, ligou falando de mais um covarde ataque dos pistoleiros, causando uma absurda situação de violência, destruição e pessoas feridas. Por se tratar já da terceira ação violenta que sofreram em menos de duas semanas, entendem ser essa uma obstinada decisão dos senhores do agronegócio de impedir o reconhecimento das terras tradicionais Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul.
É uma absurda declaração de guerra, onde de um lado estão homens armados e decididos a atirar, expulsar e destruir, enquanto do outro está uma centena de homens, mulheres e crianças armados apenas de seu direito de retornar a um pedaço da terra da qual foram expulsos há poucas décadas. Os Kaiowá Guarani estão sendo alvo de uma ignominiosa ação violenta, enquanto o Estado brasileiro se mostra inoperante diante de tais fatos. Será que serão necessários novos massacres para que se tome providências?
Certamente não é por desconhecimento da gravidade da situação que a Polícia Federal não está se fazendo presente no local. E quando se fez presente (PF de Naviraí) foi acompanhada dos algozes dos índios, para dizer, como noticiou a imprensa, que não existem índios no local.
Até quando grassará a violência e a impunidade contra os povos indígenas Kaiowá Guarani no Mato Grosso dos Sul?
(Por Egon Heck, Cimi, 25/08/2011)