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amazônia boliviana convenção 169 da OIT BNDES
2011-08-25 | Rodrigo

A falta de uma regulamentação para consultar os povos nativos da Bolívia sobre iniciativas que afetem seus territórios está no coração do conflito por uma estrada destinada a facilitar o tráfego a partir do Brasil, que coloca à prova a institucionalidade indígena boliviana. O entusiasmo do governo da Bolívia com corredores viários para o trânsito de mercadoria brasileira rumo ao Oceano Pacífico enfrenta críticas de intelectuais e indígenas, que marcham desde a Amazônia até a sede do governo em La Paz.

Segundo diagnóstico do governo, exportadores brasileiros, argentinos e paraguaios desejam atravessar o território deste país, de 1,09 milhões de quilômetros quadrados no centro da América do Sul, para alcançar portos do Chile e do Peru e dali cruzar o Pacífico para chegar à China. Um desses corredores tem rumo Sul-Oeste, para unir Brasil e Chile.

O presidente Evo Morales está convencido de que “se não fizermos agora, outros projetos não virão à tona”, disse à IPS o secretário-geral da Administradora Boliviana de Estradas (ABC), Antonio Mullisaca, um profissional da pedagogia agora dedicado a planos viários de integração. Sobre sua mesa de trabalho, e debaixo de um vidro, se estende um mapa colorido onde as estradas correm como veias cruzando o território boliviano de Leste a Oeste.

O governo busca facilitar o tráfego desde o Estado de Rondônia até Puerto Ustárez – no rio limítrofe Iténez, no nordeste da Bolívia –, por um corredor que passaria por Trinidad, pelo Território Indígena do Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis) e Cochabamba, para continuar por outras estradas até Tambo Quemado, passagem fronteiriça com o Chile no extremo ocidental.

A extensão desse corredor é de 1.402 quilômetros. O traçado de uma das estradas que o formam, de apenas 306 quilômetros, vai unir Villa Tunari, no departamento de Cochabamba (centro), com San Ignacio de Moxos, em Beni (norte), parece um pequeno segmento em relação ao resto.

Porém, seu significado é enorme. Unir esses dois pontos exige hoje que se vá até a oriental cidade de Santa Cruz de la Sierra e se gaste 16 horas de carro. Com a nova estrada o percurso seria feito em apenas quatro horas.

Além disso, o trecho 2 da estrada, de 177 quilômetros, atravessaria o Tipnis, um santuário nacional de pouco mais de um milhão de hectares que é propriedade coletiva de aproximadamente 15 mil pessoas de três povoados indígenas: moxeños, yurakarés e chimanes. “Nossos direitos não são negociáveis”, disse à IPS o porta-voz das comunidades do Tipnis, Adolfo Moye, de San Ignacio de Moxos, onde a marcha de aproximadamente mil indígenas fez uma parada no trajeto até a capital.

A decisão dos manifestantes é rejeitar qualquer traçado que passe pelo Parque. No entanto, contornar o território aumentaria a estrada em 848 quilômetros. O custo do projeto, a cargo da construtora brasileira OAS, é de US$ 415 milhões, financiados em 80% por empréstimo de US$ 332 milhões que a Bolívia recebeu do estatal brasileiro Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), enquanto os 20% restantes correspondem ao governo boliviano.

“Se o Brasil dá o dinheiro é porque tem interesse”, afirmou Mullisaca. Para este ano, o orçamento boliviano destinado a estradas é de US$ 500 milhões, um terço da destinação anual para obras públicas, e os créditos continuam chegando por centenas de milhões vindas de diversas fontes, acrescentou. Contudo, esta iniciativa vai contra postulados da Constituição, em vigor desde 2009, que outorgou amplos direitos aos indígenas, afirmam os críticos.

Também viola normas do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Inra), que declaram o Tipnis como “inalienável, indivisível e irreversível”, disse à IPS o pesquisador em temas jurídicos Franz Barrios.

Há outros instrumentos também violados, segundo Barrios, como a Lei Florestal, a Lei do Meio Ambiente, o Regulamento de Áreas Protegidas, o Decreto Supremo 22.610 que reconhece o território indígena, o Código Penal e o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas sobre ações que afetem seus territórios.

“O governo e os setores interessados em promover o propalado desenvolvimento parecem não compreender os conteúdos e os alcances da Constituição”, disse à IPS o sociólogo Raúl Prada, que participou da redação da Carta Magna.

O conceito indígena do bem viver – reconhecido constitucionalmente – propõe uma forma de vida em harmonia com os ecossistemas, contraposta ao princípio do crescimento econômico sustentado. O projeto final do trecho 2 determina que o Serviço Nacional de Áreas Protegidas entregue à ABC uma licença ambiental, após um Estudo de Avaliação de Impacto Ambiental, que ainda não foi realizado.

Com um mapa nas mãos, Mullisaca alegou que nos últimos anos vias informais de acesso ao Tipnis o penetraram de tal maneira que só resta um trecho de 50 quilômetros sem ligação viária. Isto se deve à colonização ilegal de cultivadores de coca, o que mostra que as normas de proteção de recursos naturais não são cumpridas, ou seja, mais um argumento para abrir a estrada e acertar entre todos a forma de preservar o território, afirmou.

O funcionário da ABC propôs, entre outras medidas, compartilhar com as comunidades os benefícios pelo trânsito de veículos e carga e estabelecer uma gestão ambiental do Tipnis.

Porém, o cerne da questão é a consulta prévia aos indígenas, que deveria ser feita de maneira transversal ao trâmite de licença ambiental, embora ainda não esteja regulamentada, disse à IPS o advogado Waldo Albarracín, ex-defensor do povo. Vários artigos constitucionais consagram este direito, cujo resultado é de cumprimento obrigatório, além do Convênio 169 e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas que têm status de lei, explicou Albarracín.

Segundo o advogado, o Estado está obrigado a cumprir a Constituição e, na falta de uma lei inferior, a superior não se torna inviável. A ABC é a encarregada de convocar a consulta com um procedimento que respeite usos e costumes indígenas, acrescentou. O presidente Morales e seu vice, Álvaro García Linera, pediram diálogo com os indígenas do Tipnis, mas mediante reuniões convocadas pelas autoridades com seus dirigentes e sem deter as obras do trecho 1 que já começaram.

Segundo Albarracín, consultas anteriores a indígenas para projetos de mineração foram feitas “com procedimentos arbitrários”. Ele mesmo assessorou a organização nativa das terras altas, o Conselho Nacional de Ayllus e Markas del Qullasuyu na redação do Anteprojeto de Lei Marco de Consulta Prévia às Nações e aos Povos Indígenas Originários, que foi apresentado ao parlamento.

Nesse documento são estabelecidos procedimentos para a consulta prévia de caráter vinculante para toda ação que possa afetar direitos e interesses indígenas, desde medidas legislativas e administrativas até qualquer projeto de infraestrutura ou exploração de recursos naturais. No entanto, no atual confronto entre governo e indígenas, Albarracín não acredita em uma rápida aprovação.

Segundo Prada, a estrada faz parte da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que reforçou a presença brasileira em setores como petróleo, energia hidrelétrica e construção, diante de uma atitude de “subordinação do governo boliviano”. Enquanto isso, a estrada divide os atores locais, pois plantadores de coca e alguns sindicatos a defendem e a consideram um fator de desenvolvimento.

(Por Franz Chávez, IPS / Envolverde, 24/08/2011)


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