Dois milhões de reais é o valor da última multa que o IBAMA aplicou na Indústrias Nucleares do Brasil (INB) devido a irregularidades na operação e poluição do ambiente do trabalho na unidade minero-industrial de exploração de urânio, em Caetité, na Bahia. Além da multa, o IBAMA embargou a área 170 da indústria, onde são feitas atividades de precipitação, filtração, secagem e embalagem do urânio concentrado, que vai para o exterior para ser enriquecido e volta para o Brasil onde é transformado no combustível das usinas atômicas Angra I e II, no Rio de Janeiro.
É a mesma área onde ocorreu, em maio passado, o reemtamboramento de parte das 90 toneladas da carga radioativa, oriundas do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo, gerando grande protesto da população da região.
É a segunda multa aplicada à empresa este ano em decorrência do carregamento radioativo de São Paulo para a Bahia e passou praticamente despercebida, embora tenha ocorrido no âmbito da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI), realizada no final do mês passado pelo Núcleo de Defesa do São Francisco do Ministério Público Estadual.
A primeira, no valor de R$ 600 mil, foi lavrada em junho, e como a segunda também foi conseqüência das irregularidades que envolveram o transporte e a reembalagem da carga radioativa transportada de São Paulo para a Bahia, e que foi impedida pela população de entrar na INBCaetité, no mês de maio.
A mesma área 170 foi interditada pela auditora do Ministério do Trabalho, Fernanda Giannasi, pelo assessor do Ministério Público do Rio de Janeiro, Robson Spinelli Gomes, e pelo procurador do Ministério Público do Trabalho, Antônio Marcos Silva de Jesus, durante a FPI.
As punições contra a INB incluíram ainda advertências, autuações e recomendações de outros órgãos estaduais de fiscalização. Mas as punições por si só não neutralizam as desconfianças sobre o funcionamento da INB, pois apesar da gravidade da situação levantada pela inspeção, as populações da região criticam a falta de medidas concretas por parte do Estado frente às suas demandas por soluções urgentes para os problemas que enfrentam, principalmente a escassez e a contaminação da água.
Para elas, o anuncio festivo feito prefeito do município e pela INB de que a empresa vai construir um adutora para garantir o abastecimento permanente dos cinco mil moradores de Maniaçu, distrito sede da mineração, não passa de mais uma cortina de fumaça pra tentar esconder os prejuízos sócio ambientais e econômicos que esta atividade tem levado à região, em especial aos moradores do entorno da mina.
Até porque durante a FPI, a equipe técnica da FUNASA constatou o que os movimentos sociais e populares vêm denunciando e pedindo providencias, há anos, sem que as autoridades competentes atendam os seus reclamos.
A FUNASA comprovou que o Governo da Bahia e os Prefeitos de Caetité e Lagoa Real não estão cumprindo as determinações da liminar concedida pelo juiz de Direito de Caetité a uma Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público Estadual, em 2009, contra a INB, o Estado da Bahia e os referidos municípios.
As populações estão na expectativa de que o resultado desta apuração da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) resulte na adoção das providencias cabíveis pela Justiça da Bahia. Os detalhes estão no relatório da inspeção assinado pelas técnicas Edilene Souza de Assis Mota e Simone Souza de Oliveira, que reproduzimos abaixo:
Relatório de visita técnica
"Em atendimento a solicitação do Ministério Público de verificação do cumprimento da decisão judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela ajuizada pelo Ministério Público do Estado da Bahia em face do Município de Caetité, Município de Lagoa Real, Estado da Bahia e Indústrias Nucleares do Brasil SA – INB, informamos que foram realizadas visitas a INB, aos povoados de Juazeiro e São Timóteo, a 24ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES), às Secretarias de Saúde e de Agricultura dos Municípios de Caetité e Lagoa Real, ocorridas no curso da 25ª Fiscalização Preventiva Integrada, durante o período de 24 de julho a 02 de agosto de 2011, respondendo à quesitação formulada que segue em anexo, temos a informar que:
1. Quesito 1 – O Estado da Bahia e o Município de Caetité estão fornecendo água para a população do Povoado de Juazeiro que teve o poço 67 interditado, através de carros-pipa?
Segundo informações do Sr. Sidney Dias, Gerente de Desenvolvimento Urbano da Secretaria de Agricultura e Recursos Hidricos do município de Caetité, as famílias que recebiam água do Poço 67 localizado no povoado de Juazeiro, interditado pela CORDEC, passaram a ser abastecidas por outro poço e complementado por carro-pipa do Município de Caetité que deposita água em reservatórios de PVC, de onde a comunidade se abastece. Essa informação pode ser constatada durante a visita ao povoado de Juazeiro realizada por esta equipe no dia 28.07.11.
Existe uma Estação de Tratamento de Agua Compacta construída pela INB na localidade Juazeiro que não opera desde que foi inaugurada, segundo relatos da comunidade durante a referida visita. Esta informação não foi esclarecida pelo representante da Secretaria de Agricultura e Recursos Hídricos. Essa informação foi checada junto a INB que informou através do seu gerente Ilton que disse que tal estação foi construída pela empresa e que o Município de Caetité deveria complementar e colocar em funcionamento a ETA, o que não ocorreu. O referido representante informou que a INB está licitando a complementação dos insumos e equipamentos para coloca-la em operação.
Em Lagoa Real, povoado de Lagoa Grande, a Secretária de Saúde Sra. Maria Aparecida Souza Dias informou que durante a interdição dos 2 poços o fornecimento de agua foi realizado por carro pipa. Posteriormente os poços foram liberados pelo INGÁ (Nota Técnica no26/10, folha 857-858, Processo no 2378873-0/2008) e através de oficio no1984/10-DG do INGÁ a Prefeitura Municipal de Lagoa Real (Anexo 1) para uso e abastecimento da comunidade.
2. O Estado da Bahia, através de seus órgãos ou os Municípios de Caetité e Lagoa Real estão realizando periodicamente exames de controle da radiotividade da água na região situada no entorno da mina ou na sua área de abrangência?
Os representantes da Secretaria de Saúde dos municipais de Caetité e Lagoa Real relataram que não tem conhecimento de novas analises realizadas pelo INGÁ, ou por outros órgãos do Estado, com relação as análises de água destinadas ao consumo humano, com relação aos parâmetros de radioatividade. Das entrevistas realizadas constatou-se que de igual modo os municípios de Caetité e Lagoa Real também não estão realizando tais controles.
3. Foi realizado cadastramento de todas as famílias que se situam nas comunidades pertencentes às áreas onde se situam os poços interditados por parte do Estado, dos Municípios de Caetité e Lagoa Real, ou INB?
Segundo informações prestadas pela 24ª DIRES e Secretárias de Saúde dos municípios de Caetité e Lagoa Real não foram realizados cadastramentos das famílias que se situam nas comunidades pertencentes as áreas do entorno da mina.
4. Existe cadastramento de poços da região do entorno da mina?
O cadastramento dos poços foi realizado pelo Estado da Bahia através do Programa Monitora, ali identificando a localização dos poços. No entanto, não há controle da presença de uranio e metais pesados na água fornecida por estes poços. Embora exista esse cadastramento, não há conhecimento por parte dos municípios sobre esse mapeamento de poços realizado pelo Estado. Durante a visita aos Municípios de Caetité e Lagoa Real, observou-se que o cadastro dos poços é realizado no sistema VIGIÁGUA, utilizados para o controle e monitoramento da qualidade da água. Os dados do sistema são utilizados como referencia para o fornecimento de água por carros pipas quando necessário.
5. O Estado da Bahia realiza monitoramento da qualidade da água em águas subterrâneas e superficiais do urânio e dos produtos de seu decaimento (chumbo, radônio, rádio e tório), e realiza o monitoramento das concentrações de alumínio, ferro e fósforo?
As secretarias de saúde dos dois municípios informaram que desconhecem qualquer monitoramento de uranio e dos produtos do seu decaimento em aguas superficiais e subterrâneas, bem como quanto a concentração de alumínio, ferro e fósforo realizada pelo Estado, embora o Estado realize o Programa Monitora que analisa outros parâmetros, a exemplo do físico-químico e biológico.
6. O Estado da Bahia realiza o monitoramento dos poços localizados dentro e fora da área da região da mina?
Segundo informações prestadas pela chefe da Vigilância Sanitária do município de Caetité Emanuela Trindade o monitoramento do Controle de Qualidade da Agua de abastecimento humano é realizado pelo município de forma amostral, sendo que as localidades Maniaçu e Juazeiro são monitoradas trimestralmente. São realizadas analises microbiológica (pesquisa de coliformes totais e de coliformes terrmotolerantes (E. coli) e físico-química (cor, turbidez, odor, pH). Foram analisados os laudos referentes ao período de 2008 até abril de 2010 e todas as amostras foram insatisfatórias pelo consumo humano por estar em desacordo com os padrões de potabilidade (Portaria MS 518/2004) (Anexo 2).
As análises são realizadas no laboratório da 19ª Dires em Brumado. Foi constatado o atraso no envio dos laudos das analises da Dires para o Município, como exemplo pode-se citar que até o presente momento não foram enviados os resultados das coletas realizadas desde maio de 2011. (Anexo 3).
No município de Lagoa Real, a Secretária de Saúde Maria Aparecida Souza Dias informou que não é realizado nenhum tipo de monitoramento da água de abastecimento da zona rural. O monitoramento é realizado apenas na sede do município e as analises no laboratório da 19a Dires em Brumado.
Desse modo, diante da inexistência do adequado monitoramento, evidencia-se também a inexistência de realização de monitoramento dos índices de radiotividade das águas desses poços.
7. O Estado e os Municípios de Caetité e Lagoa Real, através de suas Secretarias de agricultura e a INB estão realizando a análise dos produtos agropecuários oriundos da comunidade do entorno da mina de Urânio, autorizando ou não a sua comercialização?
Durante as entrevistas nas suas respectivas secretarias, ficou demonstrado que os municípios não realizaram análises dos produtos agropecuários oriundos das propriedades do entorno da mina. Por outro lado, das visitas as comunidades durante as atividades de campo ficou claro que não há controle dos produtos comercializados por tais comunidades com relação a existência de elementos de radioatividade nem pelo Estado da Bahia nem pelo município. Em consulta a Relatórios disponibilizados pela INB constatou-se a realização de analises de produtos agropecuários (leite, mandioca, milho, farinha) juntamente com o solo associados a estes produtos com periodicidade anual.
8. Os Municípios de Caetité e Lagoa Grande constituíram uma junta composta de médico, enfermeiro e auxiliares de enfermagem, para trabalharem durante sessenta dias no cadastro de todos os expostos à água dos poços em que foi detectado índices de urânio acima do permitido?
Conforme entrevistas realizadas nas Secretarias de Saúde, os Municípios não constituíram a junta médica acima descrita para investigar a presença de suspeitos das doenças ligadas a exposição de uranio, especialmente neoplasias.
9. Os Municípios encaminharam para o Estado a relação das pessoas com problemas de saúde decorrentes de contaminação do urânio, que residem nas comunidades do entorno da mina?
Os Municípios não realizaram o cadastramento ficando então prejudicado o envio das informações ao Estado da Bahia.
10. O Estado da Bahia de posse da relação das pessoas com doenças relacionadas a exposição de urânio realizou diagnóstico, constituíu junta médica com especialista em medicina nuclear, a junta procedeu anamnese da população doente, foram realizados exames como tomografias computadorizadas, ressonância magnética, dentre outros, prescreveu parecer sobre o tratamento adequado para as pessoas com doenças decorrentes do urânio?
Como não houve a realização do cadastramento e da identificação dos expostos a problemas de saúde em decorrência do urânio por parte dos Municípios, o Estado da Bahia não cumpriu nenhuma dessas responsabilidades.
Segundo informações da responsável pela Vigilância Sanitária Silvana P. Cruz, foi realizada no dia 17 de Junho de 2011 uma reunião do GT Setorial Saúde de Populações Expostas – Caetité e Lagoa Real na SESAB/DIVISA com representantes de várias Diretorias de Saúde do Estado, 24ª DIRES e Secretaria de Saúde do Município de Caetité, onde foi solicitada a contribuição do GT, junto as áreas da SESAB para avaliação e posterior intervenção dos municípios nas questões de saúde e ambiente inerentes a exposição de urânio da população do entorno da mina. As deliberações e encaminhamentos constam na súmula da reunião do GT (Anexo 4)
11. A INB de posse da relação das pessoas com doenças relacionadas a exposição de urânio realizou diagnóstico, constituíu junta médica com especialista em medicina nuclear, a junta procedeu anamnese da população doente, foram realizados exames como tomografias computadorizadas, ressonância magnética, dentre outros, prescreveu parecer sobre o tratamento adequado para as pessoas com doenças decorrentes do urânio?
Como não houve a realização do cadastramento e da identificação dos expostos a problemas de saúde em decorrência do urânio por parte dos Municípios, a INB não cumpriu nenhuma dessas responsabilidades.
Outras considerações que entendam pertinentes sobre a atuação da INB em relação a situação de Saúde nos municípios de Caetité e Lagoa Real
A INB contratou a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) através de seu órgão gestor de projetos Fundação para o Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico em Saúde (FIOTEC) para realizar um Estudo Epidemiológico de morbi-mortalidade relativo à eventual ocorrência de patologias relacionadas a danos genéticos e neoplasias malignas na área de influência da Unidade de Concentrado de Urânio (URA), das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) – Caetité – Estado da Bahia em 2009. Este estudo foi revisado em 2010, com a descrição dos resultados da 1ª fase do projeto, o qual foi apresentado aos moradores, trabalhadores e gestores dos municípios de Caetité e Lagoa Real através de oficinas e encontros, onde foi abordado a importância da melhoria da qualidade do preenchimento dos registros de óbitos nos municípios (Anexo 5).
Outras considerações que entendam pertinente sobre a situação de Saúde nos municípios de Caetité e Lagoa Real
No povoado de Maniaçu, município de Caetite, existe uma equipe do Programa de Saúde da Famila (PSF) composta por 1 medico, 1 enfermeira, 1 dentista, 1 técnico de enfermagem, 10 Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para atender toda a comunidade. Há também 1 fisioterapeuta que atende uma vez por semana e 1 nutricionista que atende a comunidade 2 vezes por mês.
Os dados referentes as doenças diagnosticas no atendimento da equipe do PSF, como anemias, verminoses, etc., não estão disponíveis na vigilância epidemiológica, exceto as doenças de notificação compulsória (tuberculose, leishmaniose, AIDS, etc.,) e óbitos por município (Anexo 6 – Notificação Compulsória 2009/2010/jul-2011) e (Anexo 7 – Relação de óbitos/2010);
O Povoado de Juazeiro não dispõe de equipe do PSF. Existe apenas um posto de saúde, onde atua uma técnica de enfermagem e dois ACS. O atendimento medico é realizado quinzenalmente, a partir de junho de 2010.
No povoado de Lagoa Grande, município de Lagoa Real existe uma equipe do PSF que atende a população de 1.652 habitantes. A equipe é composta por 1 medico, 1 enfermeira, 1 dentista, 1 técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde para atender toda a comunidade. As doenças mais referidas são hipertensão arterial e diabetes.
Devido as dificuldades quando ao preenchimento de declaração de óbitos foi promovido pela INB curso de codificação de declaração de óbito (DO) para 2 técnicos da Secretaria de Saúde dos municípios de Caetité e Lagoa Real.
Durante as visitas registrou-se que os casos de neoplasia não estão sendo identificados pela equipe local de saúde, porque tanto o diagnóstico como o tratamento estão sendo realizados em outras localidades do Estado ou até mesmo em outro Estado, não existindo qualquer controle, registro, acompanhamento e monitoramento desses casos. Entretanto, diante de várias denúncias, da condição de proximidade dessas comunidades com a área da mina de urânio se torna indispensável que haja o cumprimento dessas responsabilidades por parte dos Municípios.
Também se faz indispensável que haja o monitoramento da água dos poços cuja água é consumida pela população do entorno, bem como das águas superficiais e subterrâneas, com prazos definidos e periodicidade."
(Por Zoraide Vilasboas, EcoDebate, 24/08/2011
* É jornalista da Coordenação de Comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson-Ética,Justiça,Cidadania