Parceria aos trancos com a Ucrânia e possível fusão com Agência Espacial Brasileira teriam antecipado a saída. Gilberto Câmara só iria sair em 2013; ele afirma estar frustrado com a dificuldade de renovar quadros do instituto
O diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Gilberto Câmara, deixa o cargo em dezembro, dois anos antes do fim de seu mandato. A saída já foi comunicada ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante.
Oficialmente, Câmara diz estar "cansado" após seis anos no cargo e "frustrado" porque não conseguiu renovar os quadros do instituto, que não tem realizado contratações e cujos pesquisadores têm em média a mesma idade do Inpe - 50 anos.
A Folha apurou, no entanto, que a saída de Câmara se deve a divergências com a condução do programa espacial brasileiro e a um rompimento com o presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), Marco Antônio Raupp.
Parceria indesejada
Um ponto que teria desagradado ao diretor foi a decisão da AEB e de Mercadante de manter o programa de foguetes que o Brasil desenvolve com a Ucrânia por meio da empresa binacional ACS (Alcântara Cyclone Space).
O programa consiste em reformar a base de Alcântara, no Maranhão, para explorar o mercado de lançamentos comerciais de satélites usando o foguete ucraniano Cyclone-4. A ACS tem custo de cerca de R$ 1 bilhão, mais do que o triplo do orçamento anual do programa espacial.
Câmara tem sido um dos principais críticos do projeto Brasil-Ucrânia, que compete por recursos com o programa de satélites desenvolvido pelo Inpe. Estima-se que o Brasil ainda precise colocar R$ 600 milhões na parceria.
Quando assumiu o ministério, Mercadante suspendeu os pagamentos feitos à ACS. Tanto o ministro quanto Raupp afirmaram que só investiriam no programa se a Ucrânia pagasse sua contrapartida, de R$ 180 milhões. O anúncio irritou o PSB, partido aliado do governo, cujo vice-presidente, Roberto Amaral, arquitetou o acordo com a Ucrânia e dirigiu a ACS até ser demitido por Mercadante e Dilma neste ano.
No mês passado, no entanto, uma missão da agência espacial liderada por Raupp visitou a Ucrânia e concluiu que o projeto do Cyclone-4 está "de 60% a 70% pronto", segundo o presidente da AEB. Obteve também a promessa dos ucranianos de injeção de dinheiro na ACS até setembro. Isso permitiria a continuidade da parceria.
Outro fator que pôs Câmara em colisão com Raupp foi a proposta de fusão do Inpe com a AEB, que ainda está em estudo pelo ministério. Entusiasta da proposta no início, Câmara passou a se opor a ela, temendo perder espaço.
Diretor é "pai" de sistema que vigia desmate
Cearense radicado em São Paulo, engenheiro formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e com doutorado em computação pelo próprio Inpe, Gilberto Câmara, 55, é um dos pais do programa Deter, que detecta o desmatamento na Amazônia em tempo real e facilita ações de fiscalização.
Ele é também o segundo diretor que sai do instituto após choques com a Agência Espacial Brasileira. Seu antecessor, Luiz Carlos Miranda, pediu demissão quando a agência passou a concentrar todo o orçamento do programa espacial, em 2005.
Câmara, filiado ao PT, foi escolhido por um comitê de busca e confirmado por Eduardo Campos (PSB). Sua gestão foi marcada por polêmicas. Decidiu concentrar os esforços do instituto na área ambiental e em satélites de observação da Terra, como o Cbers (em parceria com a China), que ajuda a monitorar o desmatamento.
Isso firmou o Brasil como referência em monitoramento de desmate, com distribuição gratuita de imagens e instalação de estações receptoras dos dados obtidos pelo Cbers na África.
Mas, ao mesmo tempo, o monitoramento desidratou a área de astronomia do Inpe.
Em 2008, juntamente com Marina Silva, Câmara comprou uma briga pública com o então governador de Mato Grosso, Blairo Maggi.
Naquele ano, dados do Deter mostravam uma explosão no desmatamento na região. Maggi negou o aumento do desmatamento e levou a queixa ao presidente Lula, que mandou o Inpe checar novamente os dados. "O dado foi checado, rechecado e 'trechecado'", rebateu Câmara à época.
O ministro Aloizio Mercadante declarou que o diretor continuará colaborando com o ministério. Marco Antonio Raupp estava em trânsito entre o Brasil e a China, onde tem reuniões do programa Cbers -juntamente com Câmara.
(Por Claudio Angelo, Folha de S. Paulo, 18/08/2011)