O governo de Moçambique está oferecendo uma área de 6 milhões de hectares - equivalente a três Sergipes- para que agricultores brasileiros plantem soja, algodão e milho no norte do país.
A primeira leva de 40 agricultores parte de Mato Grosso rumo a Moçambique - a próxima fronteira agrícola do Brasil - no mês que vem. As terras são oferecidas em regime de concessão - os brasileiros podem usá-las por 50 anos, renováveis por outros 50, mediante um imposto módico de 37,50 meticais (R$ 21) por hectare, por ano.
"Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto impedimento ambiental e frete muito mais barato para a China", diz Carlos Ernesto Augustin, presidente da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (Ampa). "Hoje, além de a terra ser caríssima em Mato Grosso, é impossível obter licença de desmate e limpeza de área."
Augustin organizou a missão de agricultores para ir ao país em setembro ver as terras. Um consultor da Ampa já está no país contatando autoridades e preparando a viagem. "Quem vai tomar conta da África? Chinês, europeu ou americano? O brasileiro, que tem conhecimento do cerrado", diz Augustin.
"Os agricultores brasileiros têm experiência acumulada que é muito bem-vinda. Queremos repetir em Moçambique o que eles fizeram no cerrado 30 anos atrás", afirma o ministro da Agricultura de Moçambique, José Pacheco. "A grande condição para os agricultores é ter disposição de investir em terras moçambicanas", diz Pacheco. É preciso empregar 90% de mão de obra moçambicana.
Concessão
A terra em Moçambique é propriedade do Estado e pode ser usada em regime de concessão, que está aberto a estrangeiros. O governo busca agricultores brasileiros por causa da experiência no cerrado, que tem características climáticas e de solo muito semelhantes à área oferecida.
As terras oferecidas aos brasileiros estão em quatro províncias da região Norte: Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia. A região é superior a toda área cultivada de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (cerca de 5 milhões de hectares).
Os produtores vão a reboque da Embrapa, que mantém na área o projeto Pro-Savana, com a Agência Brasileira de Cooperação e a Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão).
O projeto de cooperação técnica em Moçambique é o maior da Embrapa fora do Brasil - terá 15 pessoas a partir de outubro. Em duas estações no norte do país, eles estão testando sementes de algodão, soja, milho, sorgo, feijão do cerrado brasileiro, para adaptá-las ao norte moçambicano.
"Nessa região, metade da área é povoada por pequenos agricultores, mas a outra metade é despovoada, como existia no oeste da Bahia e em Mato Grosso nos anos 80", diz Francisco Basílio, chefe da Secretaria de Relações Internacionais da Embrapa. O governo vai dar isenção fiscal para importar equipamentos agrícolas.
Preço da terra brasileira subiu mais de 15%
O preço das terras no Brasil subiu mais de 15% em termos nominais nos últimos 12 meses, segundo levantamento da Informa Economics FNP. A elevação é superior à alta dos últimos anos, em que os preços subiram entre 5% e 6%, em média.
Segundo Jacqueline Bierhals, gerente de agroenergia da Informa Economics FNP, nem as medidas de restrição ao capital estrangeiro na compra de terras, adotadas em agosto do ano passado, e as novas propostas de restrição em estudo no Congresso, frearam a alta dos preços.
"As última três safras tiveram resultados muito bons. O produtor brasileiro está bastante capitalizado - então, mesmo sem estrangeiros, o mercado continua muito líquido [quando há facilidade para vender]", afirma Jacqueline.
"Além disso, o cenário para grãos está muito aquecido, por causa da escassez nos Estados Unidos, que são formadores de estoque."
Última fronteira
Mato Grosso é o sexto Estado com maior valorização nas terras. "As terras no Brasil têm ficado muito caras - na comparação com Argentina e Europa, a terra no Brasil ainda é mais barata, mas com a África não dá para competir. A migração é um movimento que começa a ganhar força. A África é a última fronteira agrícola do mundo", diz Jacqueline.
Mas ela ressalta que há grandes dificuldades logísticas na África e não se pode subestimar o desafio de escoar a produção lá. No Brasil, ainda há terras para abrir no oeste baiano, no Nordeste e no Tocantins. "Mas, tirando isso, não tem mais nada; e nos vizinhos, também tem pouca coisa."
(Por Patrícia Campos Mello, Folha de S. Paulo / IHU Online, 14/08/2011)