Destaque da BBC de Londres no sábado (13/07). Prova cabal da manipulação que pervasa todas as veias da comunicação corporativa, privada ou pública, dos dias atuais. "Barreira de coral da Austrália 'em risco por pesticidas'", traz o título do texto do correspondente em Sidney.
O conteúdo informa sobre o relatório do governo australiano a respeito da qualidade da água na maravilha natural, protegida como patrimônio da humanidade. Especificando, pesticidas foram encontrados até 60 quilômetros adentro da gigantesca barreira de coral em concentrações sabidamente nocivas para os seres vivos.
A empresa pública de comunicação britânica apresenta os vários aspectos da notícia. A perspectiva do governo, da indústria, dos agricultores, dos cientistas e até dos ambientalistas. Tudo conforme o seu conhecido padrão de qualidade e competência.
Mas se pela objetividade a notícia cumpre seu papel público, é na rima, na métrica e no ritmo que a BBC entrega seu verdadeiro compromisso editorial. Pode-se usar a própria objetividade da qual se vangloria. Em um artigo de 12 frases, apenas uma menciona os esforços para banir certos químicos, notoriamente prejudiciais. Pela estatística, já há um desequilíbrio quantitativo nos argumentos. E ele só piora pela ótica qualitativa.
Não só porque a frase em questão era a penúltima do texto, ou nada esclarecia sobre o mencionado aspecto. Já na segunda linha estão denunciados os responsáveis pelo problema: os agricultores. "Eles precisam ser mais cuidadosos com seus químicos", sentencia. Invertendo a lógica do mercado, os clientes que compram os produtos das indústrias são apresentados como únicos responsáveis pelos danos que esses produtos causam. E essa mensagem é a mais redundante em todo o texto, sendo reforçada e justificada em metade das frases.
O ápice do marketing travestido de jornalismo aparece logo na terceira linha. "Ele (o estudo) encontrou que aproximadamente um quarto dos horticultores e 12% dos fazendeiros pastorís adotam práticas consideradas inaceitáveis pela indústria". Mesmo que repórter e editor tenham apenas reproduzido uma lógica incutida já no estudo pelos seus autores, no caso o governo australiano, o que justificaria a absoluta ausência de contestação? Principalmente em coisas básicas, como é o caso da influência das chuvas e tempestades no problema.
Na notícia da BBC, o governo concorda que fazendeiros têm adotado mais "métodos ambientalmente corretos", mas que essas melhorias foram prejudicadas pelo Cyclone Yasi. Os produtores de cana, por sua vez, afirmam não dispor de alternativas para protegerem suas plantações. As inúmeras co-relações entre esses e muitos outros fatos, apresentados com a superficialidade de um press release, ficam sem esclarecimento na notícia de uma das maiores empresas de comunicação do mundo.
(Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 13/08/2011)