Depois do fracasso antecipado do Protocolo de Kyoto, pouco a pouco vai caindo por terra o engodo do "mercado de carbono". Menina dos olhos da indústria fóssil em tempos de mudança climática, o comércio de cotas para emissão sempre foi visto como um paliativo econômico para um problema que está muito além dos lucros e prejuízos. Agora, além da crítica científica de que o esquema para legalizar emissões não ajuda um planeta que acumula CO2 em sua atmosfera, ganha força a suspeita de que o sistema de cotas é sobretudo ineficaz para reduzir o volume de gases emitidos.
Em Julho a ONG Carbon Tracker, uma iniciativa internacional que monitora investimentos da chamada economia do carbono, publicou um estudo amplo com uma conclusão contundente. "Os mercados de capitais continuam valorizando carvão, petróleo e gás sem nenhum limite de quanto pode ser queimado, perpetuando o ciclo de investimentos em combustíveis fósseis".
O estudo utiliza dados estimados por pesquisadores do Potsdam Institute da Alemanha. Estes indicam que se o mundo quiser evitar um aquecimento acima de 2,4 graus Célsius, então deve emitir no máximo 886 bilhões de toneladas de CO2 entre 2000 e 2050. Como 321 bilhões de toneladas já foram despejadas na atmosfera entre 2000 e 2010, existem apenas outras 565 bilhões de toneladas para os próximos 40 anos. Ou seja, se depender desses cálculos o mundo terá que cortar suas emissões nominais em 80% até a metade da próxima década.
E essa estimativa é só uma parte da equação. Cientistas sabem que cerca de 40% dióxido de carbono produzido hoje vai ficar na atmosfera pelo menos até o ano 3000, o que compromete ainda mais a margem de manobra dos que se dizem determinados a combater o aquecimento global.
A "bolha de carbono" referida pela Carbon Tracker não é nenhuma novidade. Dados e notícias vem sendo publicados esparsamente, informando sobre novos projetos de exploração fóssil em todo o mundo (Austrália, Brasil, Índia, China, Inglaterra, Alemanha, África do Sul etc). O que faltava era uma análise de tendências do significado desses dados em um contexto global.
Raros jornalistas independentes detectaram a imensa contradição entre o discurso e a prática na luta contra a mudança do clima. Dentro das grandes redações brasileiras, que nesse aspecto parecem um deserto, impera a total falta de inteligência, abdicada em favor dos pronunciamentos oficiais.
O que o economista britânico, Nicholas Stern, chamou de o "maior fracasso do mercado na história", continua parecendo uma coisa de outro planeta, visto o silêncio quase absoluto. O relatório da Carbon Tracker indica que o problema básico está nos mecanismos reguladores, em última instância os governos. "Muitos investidores estão apostando em reservas de combustíveis fósseis simplesmente como resultado da estrutura do mercado financeiro, onde o foco no retorno a curto prazo perpetua o status quo", explica o estudo.
Acima de tudo, e da mesma forma que o sistema financeiro convencional, mecanismos de investimento continuam carecendo de regulação, transparência e estabilidade a longo prazo. "A mudança climática constitui uma imporante fonte de risco, que investidores institucionais devem monitorar, gerenciar e agir juntamente com políticos no sentido de proteger seus ativos", receita Will Oulton, gerente de investimentos da agência Mercer e vice-presidente do Fórum Europeu de Investimento Sustentável (Eurosif).
Por Mariano Senna, Ambiente JÁ, 19/07/2011