“Entre os fatores que levaram o Brasil a ser um dos grandes consumidores mundiais de agrotóxicos estão certamente as políticas governamentais de incentivo ao aumento da produtividade agrícola”. É o que afirma o pesquisador Josino Costa Moreira. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, o professor aponta como fatores determinantes para o patamar a que o país chegou no que diz respeito ao uso dos agrotóxicos “a falta de orientação ao homem do campo sobre o uso correto destes produtos e a agressividade e eficiência da política de venda das indústrias produtoras”.
Josino também falou, durante a entrevista, sobre a fiscalização a respeito do uso dos agrotóxicos, do avanço do agronegócio e da evolução da transgenia nacional. “O Brasil é um país que demora a tomar decisões inclusive pela dependência de resultados produzidos no exterior e ao envolvimento de interesses muitas vezes conflitantes”, afirmou.
Josino Costa Moreira é graduado em Farmácia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É mestre em Química Analítica Inorgânica pela PUC-Rio e doutor em Química pela Loughborough University (Inglaterra). Atualmente, é pesquisador na Escola Nacional de Saúde Pública e Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fundação Oswaldo Cruz.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a fiscalização do uso de agrotóxicos no Brasil?
Josino Costa Moreira – Embora eu acredite que o arcabouço legal brasileiro seja de boa qualidade, penso que a obediência ao mesmo é muito aquém do razoável. Uma das causas desta baixa atenção à lei é a falta de uma fiscalização efetiva que é agravada pela morosidade da Justiça. Na maior parte do Brasil podem-se adquirir e utilizar agrotóxicos livremente, ou seja, sem qualquer tipo de critério ou orientação técnica.
IHU On-Line – Que fatores levaram o Brasil a ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo? A evolução da transgenia está relacionada a este aumento?
Josino Costa Moreira – Entre os fatores que levaram o Brasil a ser um dos grandes consumidores mundiais de agrotóxico estão certamente as políticas governamentais de incentivo ao aumento da produtividade agrícola. Pode-se acrescentar a isso a falta de orientação ao homem do campo a respeito do uso correto destes produtos e da agressividade e eficiência da política de venda das indústrias produtoras, dentre outros.
A transgenia, que tem sua expressão maior na monocultura extensiva de plantas geneticamente modificadas, está associada ao aumento quantitativo do uso de certos produtos. Neste caso, faz-se uso da “ideia” de que mesmo com este aumento haverá, no final, a diminuição dos impactos negativos sobre a saúde ambiental porque se utilizam produtos de menor toxidade.
No entanto, os impactos devem ser evidenciados através de testes ecotoxicológicos com a utilização de múltiplos bioindicadores e por um período de tempo que evidencie a existência de possíveis efeitos resultantes da exposição crônica e não apenas aguda. Infelizmente, estes estudos só abrangem uma pequena fração dos agrotóxicos disponíveis.
IHU On-Line – Os Estados Unidos e a União Europeia estão proibindo o uso de agrotóxicos enquanto o Brasil está aumentando seu consumo. Estamos na contramão da história?
Josino Costa Moreira – Eu não diria que estamos na contramão da história. Creio apenas que o Brasil é um país que demora a tomar decisões, inclusive pela dependência de resultados produzidos no exterior e ao envolvimento de interesses muitas vezes conflitantes. É bom lembrar a existência, hoje em dia, do funcionamento de uma Comissão que está fazendo a revisão deste tema aqui no Brasil. Desta Comissão Tripartite participam representantes dos ministérios da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente, os quais nem sempre têm posições concordantes e estão sujeitos a pressões de todas as naturezas. Estas pressões são igualmente exercidas sobre os tomadores de decisão. Com tudo isto, porém, estamos avançando. Talvez não com a velocidade que desejamos, mas estamos caminhando.
IHU On-Line – Podemos dizer que os agrotóxicos são uma herança da expansão do agronegócio no país?
Josino Costa Moreira – Os agrotóxicos não são uma herança da expansão do agronegócio no país. Eles são muito anteriores a esta. Certamente, o uso destes produtos aumentou com a expansão do agronegócio, mas não apenas por isto. As causas são várias e mais complexas. Existem vários outros fatores que contribuíram e ainda contribuem para isto. Ou seja, não há como atribuir a apenas um fator este aumento.
IHU On-Line – Existe algum agrotóxico seguro?
Josino Costa Moreira – Esta é uma pergunta difícil de ser respondida, porque envolve um conceito abstrato do que é “seguro”. Existe tecnologia segura? Normalmente, toda tecnologia compreende um risco, inclusive a tecnologia agrícola. Este risco pode ser aceitável ou não. A quantificação e o limite de aceitabilidade desta “segurança” é que são os problemas.
IHU On-Line – A Anvisa afirmou que não há no Brasil agrotóxicos cancerígenos disponíveis para o uso. Isso é verdade?
Josino Costa Moreira – Considerando-se a classificação dos organismos internacionais sobre a carcinogenicidade química, isto é verdade. Entretanto, é importante lembrar também que os cânceres não são resultados exclusivos do efeito de um só fator. Normalmente, são resultantes de múltiplos fatores e esta relação não pode ser reduzida a uma relação simples e direta.
Existem vários estudos que associam a exposição a alguns agrotóxicos com uma maior incidência de certos tipos de câncer na população. Entretanto, como dito cima, esta relação não é linear. Em outras palavras, isto não significa que todos aqueles que estão expostos a uma substância química associada com a carcinogenicidade desenvolverão cânceres.
Por outro lado, são rotulados sob o nome de “agrotóxicos” um número muito grande de substâncias (cerca de 1.500 produtos registrados no Ministério da Agricultura) muitas das quais possuindo diferentes mecanismos de ação e para as quais até agora não foi evidenciada atividade carcinogênica. Assim, a generalização de efeitos indesejáveis para um grupo tão grande e de propriedades tão distintas é um erro.
IHU On-Line – Como é possível reeducar os agricultores que usam hoje agrotóxicos no país?
Josino Costa Moreira – Para que os problemas associados ao uso indiscriminado de agrotóxicos sejam minimizados, é imprescindível a conscientização do homem do campo, o oferecimento de orientação técnica adequada e constante e uma eficiente fiscalização. Isto envolve políticas públicas feitas sob medida para o homem do campo no sentido de combater este problema. Para isto, a educação tem seu lugar de destaque. Além de campanhas agressivas para a divulgação e esclarecimento dos problemas associados a este uso, deve-se realçar as alternativas disponíveis e promover a educação principalmente dos jovens.
Esta é uma estratégia imprescindível. Normalmente, os adultos que já lidam com estes produtos há muito tempo têm muita resistência a mudanças de hábitos e tendem a não acreditarem nos efeitos a longo prazo. Ou seja, a necessária mudança de comportamento deve focalizar as gerações mais novas. Através dos filhos podem-se acessar e modificar comportamentos familiares arraigados e muito difíceis de serem obtidos por outros mecanismos.
IHU On-Line – Hoje, o mundo precisa dos agrotóxicos?
Josino Costa Moreira – Para se manter o nível de produtividade atual, os agrotóxicos, ou melhor, os agroquímicos são um “mal necessário”. Como todo “mal”, eles devem ser estritamente controlados. Existem alternativas como, por exemplo, a produção orgânica, cujas vantagens e limitações devem ser mais amplamente divulgadas. Uma coisa é certa: é possível produzir alimentos para sustentar toda a população mundial com muito menor impacto na saúde humana e ambiental.
IHU On-Line – É difícil estabelecer relações entre exposição humana aos agrotóxicos e os danos à saúde?
Josino Costa Moreira – As relações entre as exposições e os efeitos agudos não são difíceis de serem estabelecidas. Entretanto, efeitos resultantes de exposições crônicas e, principalmente, de exposições múltiplas (exposições a vários agrotóxicos conjuntamente) não são facilmente estabelecidos.
Se considerarmos que um produto pode conter outras substâncias além daquela que lhe dá a atividade desejada (por exemplo, emulsificantes) e que estas substâncias também podem afetar a toxidade da substância ativa, percebe-se que estas relações não são triviais. No caso de exposições crônicas, estas relações podem ser estudadas a partir da avaliação de grupos populacionais conhecidos, como trabalhadores de indústrias produtoras. De qualquer forma, tudo se complica tratando-se de exposições múltiplas.
(IHU On-line, Ecodebate, 29/06/2011)