Os resíduos produzidos por 10% da população gaúcha vão para os lixões, enquanto aquele lixo recolhido por outros 12% dos gaúchos são despejados em aterros sanitários. De acordo com esses mesmos dados, a disposição final dos resíduos no Rio Grande do Sul apresenta-se da seguinte forma: 359 municípios depositam seu lixo em aterros sanitários; outros 105 utilizam aterros controlados; 25 cidades adotam os lixões; e sete municípios gaúchos dispõem seus resíduos sólidos urbanos no estado de Santa Catarina. Os dados foram apresentados pela engenheira química da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Carmem Níquel. Ela participou da Terça Ecológica que debateu, nesta terça-feira (21/6) à noite, a repercussão da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), legislação aprovada pelo Congresso Nacional. Evento mensal promovido pelo Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS), essa edição da Terça Ecológica foi organizada em parceria com o JÁ Editores e também contou com a participação do repórter e editor do Coletivo Catarse, André de Oliveira, e do diretor técnico do Instituto Venturi para Estudos Ambientais, Eduardo Torres, como debatedores.
A recente Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em agosto de 2010, regulamenta a destinação final dos lixos, mas ainda depende da elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para acesso a recursos federais relacionados ao tema. Esta lei estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, o que abrange fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, além dos consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.
Com 30 anos de trabalho na Fepam e atuando no serviço de licenciamento de atividades industriais em implantação, Carmem Níquel lembra que o Rio Grande do Sul já possui políticas públicas para os resíduos sólidos desde 1993. Ela acredita, no entanto, que apenas legislações não serão suficientes para causar mudanças imediatas sobre o assunto. "A meta de não geração de resíduos já está consolidada, o problema não é ausência de legislação sobre o assunto."
Sobre a nova PNRS, Carmem é reticente: "A gente comemora, de um lado, e se entristece, por outro. Muito do que estava consolidado está voltando à estaca zero". Ela explica que a logística reversa, prevista pela nova legislação, estabelece que a coleta seletiva e outras ferramentas serão utilizadas para implementar a responsabilidade compartilhada com base no ciclo de vida dos produtos. "Vivemos num mercado consumista, mas há muita hipocrisia no debate sobre a destinação dos resíduos. Se houver incentivo ao reciclador, o empresário é que vai ganhar. É preciso trazer doses de realidade à discussão, a fim de que não se pense que tudo será maravilhoso a partir da implementação dessa nova lei."
De acordo com Carmem, a PNRS tende a modificar muitos conceitos, a longo prazo, sobre a destinação do lixo, com grandes transformações nos modos de produção, distribuição e consumo de produtos. "Separar resíduos não é o mesmo que reciclar, é uma atividade intermediária. A Política Nacional de Resíduos Sólidos traz obrigações ao consumidor, mas quem fiscalizará a devolução dos resíduos?" A engenheira química da Fepam explicou que a PNRS prioriza o tratamento dos resíduos produzidos pelos agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas e produtos eletroeletrônicos. Ela teme, no entanto, que a proposta da nova legislação fique apenas na intenção. Carmem informou que 76% dos resíduos produzidos no Rio Grande do Sul ainda são destinados aos aterros sanitários.
De acordo com dados do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Porto Alegre produz 1,4 toneladas de resíduos por dia. A maior parte desse lixo é destinada ao aterro sanitário na cidade de Minas do Leão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. André de Oliveira, do Coletivo Catarse, entende que esse desperdício poderia ser evitado com soluções simples. Ele defendeu o uso de materiais que não precisem ser descartados no lixo. "Garrafas de vidro, por exemplo, não vão para a lixeira, voltam para o fabricante. O descarte correto evitaria o desperdício e a agressão à natureza."
Depois de apresentar ao público um vídeo sobre lixo doméstico, Oliveira explicou que o Coletivo Catarse desenvolve um trabalho com movimentos sociais, especialmente os catadores de material reciclável. Segundo ele, o trabalho do Catarse inclui 17 galpões de triagem de resíduos e o debate sobre questões relativas à destinação do lixo doméstico. Dizendo-se adepto da utilização de composteiras em sua residência, o jornalista afirmou que essa prática permite pensar a destinação do lixo doméstico sob outro enfoque. "Alimentos industriais não podem ir para a composteira, apenas os orgânicos. Não é uma questão de se policiar sobre o assunto e, sim, de se educar. Eu questiono a cobrança da taxa de lixo para quem não produz lixo doméstico." Ele alertou para o fato de que a agricultura, nas últimas décadas, sofreu uma grande transformação, adotando um modelo industrial de produção em grande escala e com utilização de adubos químicos.
Engenheiro químico com experiência na área de resíduos sólidos industriais. Eduardo Torres observou que é preciso ter consciência de que todas as pessoas são geradoras de resíduos. "A maioria da população não se importa com o assunto, pois entende que o problema de recolhimento e destinação do lixo é responsabilidade apenas da prefeitura." Torres disse duvidar do cumprimento do prazo de três anos para o fim dos lixões em todo o país, estabelecido pela nova Política Nacional de Resíduos Sólidos. "Pela nova lei aprovada, o catador passa a ter maior importância no processo de recolhimento e destinação dos resíduos, mas ela só funcionará, na prática, se o lixo tiver preço, se o catador for remunerado." Ele citou o exemplo da Europa, que, após várias tentativas e medidas tomadas, ainda não conseguiu reduzir a geração de resíduos. Atualmente, segundo o engenheiro, os países europeus estão adotando a prática da recuperação energética do lixo como forma de reaproveitamento.
Observando que é difícil consolidar e viabilizar uma alternativa ecologicamente mais correta aos alimentos industrializados - devido principalmente ao grande apelo comercial e às facilidades de consumo que ele oferece em comparação aos alimentos orgânicos -, Torres ressalta que nenhuma política de tratamento dos resíduos sólidos terá êxito sem a participação e engajamento dos cidadãos. Ele se mostrou cético em relação à nova legislação aprovada recentemente: "Em 20 anos de coleta seletiva pela prefeitura, apenas 10% dos resíduos sólidos produzidos são recolhidos e reciclados em Porto Alegre. Não acredito que a Política Nacional de Resíduos Sólidos seja implementada tão cedo", ponderou o engenheiro.
(Por Carlos Scomazzon, EcoAgência, 27/06/2011)