Militantes e especialistas rejeitam a possibilidade de que hidrelétricas construídas na Amazônia boliviana sirvam ao abastecimento da indústria do Brasil. Um seminário realizado este mês em Cochabamba, na região central boliviana, emitiu a conclusão de que o governo de Evo Morales não deve levar adiante a construção de usinas no meio da floresta.
O principal alvo de críticas é Cachuela Esperanza, próxima ao estado brasileiro de Rondônia. A hidrelétrica terá potencial de geração de 990 megawatts, afetando uma superfície de 690 quilômetros quadrados. Estima-se que os efeitos serão a perda de parte da biodiversidade com a alteração no fluxo e no curso do rio Madeira. Os impactos sociais são o deslocamento de populações originárias e a perda de terras agricultáveis.
“Os projetos sobre o Rio Madeira são muito caros. Precisa-se grandes investimentos, e são grandes projetos para fomentar o desenvolvimento industrial do Brasil”, afirmou Enrique Gómez, especialista em eletricidade. "Com os preços atuais do gás, o mais rentável e econômico é a termeletricidade."
A acusação é de que a energia gerada pela hidrelétrica será transferida ao país vizinho a um pagamento baixo em troca de um custo socioambiental muito alto. É aventada a possibilidade de que a Bolívia use boa parte desta energia para consumo interno, utilizando menos as termelétricas e, por consequência, tendo maior excedente de gás para a exportação a Brasil e Argentina.
Outra queixa diz respeito ao fato de a Bolívia desembolsar os US$ 2 bilhões previstos para a construção. Como o financiamento será feito pelo BNDES, uma grande empreiteira brasileira será contratada para conduzir os trabalhos.
Guilherme Carvalho, representante da Federação das Organização para Assistência Social e Educacional (FASE) de Belém, no Pará, afirmou em Cochabamba que os projetos voltados à integração sul-americana são, na verdade, uma maneira de garantir o crescimento econômico brasileiro e o benefício de suas empresas. “O Brasil tem uma estratégia muito clara, que é de transformar empresas brasileiras em multinacionais, então há todo um conjunto de medidas que são implementadas pelo governo brasileiro.”
A desconfiança no departamento de Beni, vizinho a Rondônia, começou ainda quando do início das obras de Jirau e Santo Antônio, próximas a Porto Velho. Organizações não governamentais e comunidades indígenas temiam que a mudança na vazão do Rio Madeira pudesse lhes prejudicar, provocando inclusive o alagamento de terras do outro lado da fronteira.
Já os projetos brasileiros estão em foco desde que nasceu a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americano (IIRSA), durante a 1ª Cúpula de Presidentes, que teve lugar em Brasília no ano 2000. São diversos projetos com financiamento de bancos regionais ou do BNDES para a construção de estradas, pontes e hidrelétricas em toda a região. Alguns pesquisadores consideram que a finalidade da IIRSA é abrir todos os caminhos possíveis para facilitar a exportação brasileira e a expansão de seu mercado.
Outro vizinho
O Peru cancelou este mês as concessões para a construção da hidrelétrica de Inambari, outra que abasteceria majoritariamente o mercado brasileiro. O governo apresentou a justificativa de que é preciso fazer uma consulta prévia à população local, medida determinada pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com capacidade instalada de 2 gigawatts, metade do consumo anual peruano, e investimento de R$ 4 bilhões, a usina ficaria a 300 quilômetros da fronteira com o Brasil e seria tocada por OAS, Eletrobrás e Furnas. Seria a primeira de cinco hidrelétricas que o país planeja implementar no vizinho, mas a chegada de Ollanta Humala ao governo deve tornar mais rigoroso o processo de discussão.
(Redação da Rede Brasil Atual, 27/06/2011)