Após romper com o governo federal, as entidades que representam os povos indígenas denunciam a ausência de políticas integradas do Estado voltadas a essa população. Para Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), entidade ligada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o governo não avança sequer nos programas já existentes, como o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI).
"A Constituição trata em dois artigos, que são muito claros, a questão da participação indígena. Um trata da oitiva e outra da consulta", comenta Feitosa. Ambas as formas estariam deixando a desejar, segundo ele. É esse contexto que explica a decisão da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) de deixar o CNPI na semana passada.
Segundo o representante do Cimi, a decisão do rompimento foi tomada depois de a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério da Justiça assinarem uma portaria que faz com que a União divida com os estados e municípios a decisão efetiva no processo de demarcação de terras indígenas. "Todos nós sabemos que isso inviabiliza o processo de demarcação. Os municípios sempre viram as terras indígenas como parte de seus territórios, então isso possibilita a tomada de terras indígenas, que pertencem à União."
A reivindicação dos indígenas era de que fosse criado um conselho, com caráter delibertivo. Em 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o CNPI, no âmbito consultivo. Ficou no ar a promessa de envio ao Congresso Nacional de projeto de lei para criação da instância decisória, com participação de representantes indígenas. "Mas isso nunca foi para a frente", lamenta Feitosa.
Ele lembra que, desde aquela época, os povos indígenas tentavam um maior diálogo com o governo sobre as obras que teriam impacto sobre algumas comunidades. São exemplos desse desgaste a construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte e Jirau, e mais recentemente, a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto que modifica o Código Florestal. "A questão do Código Florestal entrou na conjuntura feita pelos índios e eles sinalizaram que isso seria um retrocesso violento, que pode vir até a atingir comunidades indígenas inteiras com a mudança da legislação", pontua.
Feitosa afirma que o governo até hoje não estabeleceu instrumentos para ouvir os povos indígenas em toda sua diversidade. Ele defende a criação de ferramentas governamentais que realizem consulta públicas para saber o que querem e o que pensam as diferente culturas, etnias e povos. " São pelo menos 250 povos indígenas, fora os que não foram identificados e que vivem de forma isolada, que pode chegar a 90, e organizados em várias comunidades", exemplifica.
Segundo levantamento do próprio Cimi, 400 obras no país afetam 180 comunidades indígenas. Além da Constituição, a Convenção 69 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, prevê a consulta a indígenas, caso seu território sofra impactos.
(Por Virginia Toledo, Rede Brasil Atual, 21/06/2011)