Letícia* tem 11 anos. Durante a manhã frequenta a escola e no período da tarde fica em casa, na maior parte do tempo comendo guloseimas e assistindo televisão. Acima do peso, a menina já foi ao endocrinologista, mas a vontade de comer biscoitos foi mais forte que a dieta recomendada pela médica. “Quando eu via alguém comendo bolacha recheada, coisa que eu não podia comer, me dava vontade, aí eu parei com o regime”, conta.
A garota é mais uma das muitas de crianças e adolescentes que tem seu gosto influenciado também pela publicidade. E como a maior parte do seu tempo é gasto em frente a TV, este é o meio que mais influencia os pequenos na hora de escolher um alimento ou brinquedo. Dados do IBOPE dão conta que em 2006 os investimentos publicitários destinados à categoria de produtos infantis foram de 209,7 milhões de reais. Uma pesquisa do InterScience, de 2003, apontou que meninos e meninas influenciam 80% das compras da casa. No Brasil, crianças entre quatro e 11 anos passam quase cinco horas de seu dia em frente a televisão.
Os dados acima revelam não apenas a influência da mídia sobre os pequenos, e destes sobre seus pais, mas também o quanto a cultura do “ter” afasta o consumo consciente e aponta para os desafios ambientais que estas crianças terão que enfrentar nos próximos anos. “O consumo é visto como processo e não somente como ato. Ele começa no desejo da compra, na utilização do produto e é também a forma de descartar”, afirma a coordenadora do programa de educação e Mobilização Comunitária do Instituto Akatu, Mirna Folco.
Para o Instituto Alana, responsável pelo Projeto Criança e Consumo, a regulação da publicidade é uma questão urgente. “Só a lei não resolve, mas ela ajuda aos pais nesta tarefa diária de educar seus filhos. O que acontece hoje é que a publicidade é voltada diretamente para as crianças; ela deveria ser direcionada aos pais para que eles decidam quando e o que deve ser comprado”, defende a coordenadora de mobilização do instituto, Gabriela Vuolo.
Promovido pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, um seminário debateu no dia 17 de maio a proibição de publicidade direcionada ao público infantil (Projeto de Lei 5921/01). A reunião foi proposta pelo deputado federal Emiliano José (PT-BA). Ele acredita que a regulamentação é uma forma de combater o que ele considera como abuso aos direitos das crianças e dos adolescentes. “Não é correto as crianças serem bombardeadas e impulsionadas ao consumismo e, por conta disso, serem uma espécie de provocadoras do consumo, inclusive de seus pais”, afirma. Para o deputado, assim como acontece em diversos países do mundo, a regulamentação deve acontecer também no Brasil.
Consumismo e sustentabilidade
O Instituto Akatu possui um site voltado especificamente para crianças, o Akatu Mirim, que busca conscientizá-las sobre a situação do meio ambiente a partir de questões simples e cotidianas. Para a coordenadora, oferecer a este público informações estimula a crítica e compreensão por parte dos consumidores juvenis, em especial as informações publicitárias.
“Quando você provoca uma reflexão, a criança se protege um pouco desta publicidade. Reflete porque ela quer determinado bem”, diz. Mirna lembra ainda que quando se consome menos, menos também são os recursos utilizados em todo o processo produtivo, além de outras matérias primas, como metais que têm uma reserva escassa. “Se a criança entender que pode transformar e reclamar os direitos, saber como é produzido o produto, como a empresa trata seus funcionários, a comunidade, a responsabilidade ambiental depois do uso, ela vai levar isso pra dentro de casa”, ressalta.
O tema consumismo infantil deve ser tratado em casa, defende a representante do Instituto Alana. “A regulação da publicidade tem impacto em várias áreas, porém sozinha ela não resolve. O que acontece hoje é que de um lado as crianças são ensinadas a economizar água, reciclar, e de outro elas são incentivadas a consumir. (A regulamentação) é um passo importante para colaborar em evitar o consumismo na infância, mas, além disso, é preciso campanhas educativas, e exemplos vindo dos pais”, pontua.
(Ciranda/EcoAgência, 20/06/2011)