Estudo da qualidade do ar da Região Metropolitana de Campinas (RMC) concluiu que cerca de 80% da poluição atmosférica é resultante principalmente das emissões veiculares. A pesquisa considerou os poluentes monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOX), hidrocarbonetos (HC) e material particulado (MP). O trabalho foi aprofundado no monitoramento de Compostos Orgânicos Voláteis (COVs). Os COVs são constituídos principalmente de hidrocarbonetos, aldeídos e cetonas, entre outros compostos, que se encontram no estado gasoso à pressão e temperatura ambientes e participam pela ação da luz e de reações fotoquímicas, dando origem a compostos que podem ser mais nocivos que os originais. O monitoramento foi realizado inicialmente em dez locais e depois se concentrou em cinco deles, em vista da seleção entre os que revelaram características semelhantes.
O trabalho, orientado pelo professor Edson Tomaz, deu origem à tese de doutorado apresentada pela engenheira química Ana Cláudia Ueda ao Departamento de Processos Químicos da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.
Ana Cláudia, que é professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Apucarana, esclarece que constituiu principal objetivo da pesquisa conhecer a qualidade do ar da RMC no que se refere às concentrações de COV em locais representativos da área de estudo. Os compostos encontrados em maior abundância em todos os locais analisados são benzeno, etilbenzeno, toluenos e xilenos, com predominância destes dois últimos.
A pesquisadora diz que os principais poluentes atmosféricos encontrados em locais urbanizados resultam principalmente dos processos de combustão e compreendem grandes concentrações de monóxido e dióxido de carbono (CO e CO2), dióxido de enxofre (SO2), óxidos do nitrogênio (NOx), COV, material particulado (MP) e ozônio (O3) troposférico, formado na baixa atmosfera. Este último, esclarece, constitui um poluente secundário, formado a partir dos COVs e NOx, que reagem na presença de raios ultravioletas (reação fotoquímica).
Ana explica que os poluentes CO, SO2, NOx, MP e O3, que têm seus níveis de concentração controlados por legislação, são monitorados regularmente em áreas urbanas, o que ainda não ocorre com os COVs.
Alguns tipos de COV, diz a autora, podem provocar dores de garganta, mal-estar, tonturas, aumento do risco de asma, afetar os sistemas nervoso, imunológico e reprodutor. O benzeno e o tolueno são, respectivamente, carcinogênico e mutagênico.
O trabalho
O trabalho teve três partes distintas: inventário de emissões, realizado com base nas fontes poluentes; estudos de dispersão, que utilizam os dados do inventário, em que simulações permitem determinar como os poluentes se distribuem na região; e o monitoramento, que constituiu o trabalho de campo.
Ao realizar o inventário estimativo das emissões veiculares, a pesquisadora considerou diferentes categorias de veículos – automóveis, veículos pesados como caminhões e ônibus, veículos comerciais leves e motocicletas – e diferentes tipos de combustíveis, entre os quais álcool, gasolina, diesel e álcool e gasolina nos veículos flex. Os resultados do inventário mostraram que mais de 80% dos poluentes, CO, NOx e hidrocarbonetos, são provenientes de emissões veiculares. Também foram levantadas as emissões industriais a partir do Relatório de Qualidade do Ar da Cetesb.
A engenheira química considera que, para o conhecimento da qualidade do ar, é necessário inicialmente um levantamento dos dados das emissões de poluentes da região de interesse. “Em seguida, esses dados servem como base para o estudo na determinação da dispersão e por sua vez o monitoramento dos poluentes constitui uma ferramenta para tomadas de decisões e para reforçar medidas de mitigação da poluição”.
Ana Cláudia afirma que o inventário, ao mostrar que a maior parte da poluição atmosférica é de origem veicular, por si já serviria como base para medidas de redução dessas emissões na região urbana. Entre elas, a autora da tese cita a instalação de programas de inspeção e manutenção periódica obrigatória, que considera uma briga, porque, embora o programa exista, não é implementado com seriedade. Entre outras medidas possíveis, menciona a regulamentação dos níveis de emissões de COV; identificação de regiões com maior impacto de poluição atmosférica; e melhoria do transporte público que levaria à diminuição da utilização de veículos. Os dados de 2008 utilizados no estudo revelam que a região tem um veículo para cada dois habitantes, relação que considera muito grande.
Nesse percurso, a pesquisadora utilizou inventário de emissões com abordagem bottom-up; um software que fornece dados de dispersão a partir das estimativas das emissões, das condições meteorológicas e de relevo, entre outros parâmetros; um método de monitoramento passivo de COV, usando tubos adsorventes preenchidos com Tenax TA, e cromatografia gasosa na análise das amostras colhidas.
No método passivo, as amostras são colhidas em tubos colocados em locais determinados por cerca de dez dias, diferentemente do método ativo, que utiliza uma bomba de sucção. Ela diz que o método passivo é suficiente para uma boa noção das concentrações presentes e fornece a concentração média dos dez dias de exposição. O método ativo, esclarece, faz uma amostragem de curto tempo e apresenta as variações temporais das concentrações dos poluentes.
Segundo ela, o estudo da dispersão indica que existe uma pluma de poluentes concentrada sobre a região urbana de Campinas e sobre a região industrial de Paulínia. Esclarece ainda que as concentrações de COV na região são determinadas pelas condições meteorológicas, principalmente pela velocidade do vento e também por proximidade da fonte de emissão como indústrias, vias de tráfego mais intenso e pontos de abastecimento de veículos.
Inventário
Para Ana, o inventário permite a identificação de emissões de poluentes, sua quantidade e localização e pode ser produzido a partir de dados já publicados. Enfatiza ainda que o ele constitui uma importante ferramenta para planejamento, manutenção e controle da qualidade do ar. “Além da dispersão, também pode ser utilizado no desenvolvimento de estratégias de controle da poluição do ar, no planejamento e/ou adequação de redes de monitoramento da qualidade do ar, no uso e ocupação do solo e na identificação da responsabilidade sobre as emissões”, acrescenta.
O estudo de dispersão permitiu a predição das concentrações dos principais poluentes atmosféricos (CO, NOx, HC e MP) e o impacto destes na região e possibilitou a escolha dos locais para monitoramento passivo do COV.
O monitoramento foi realizado inicialmente em dez locais e depois se concentrou em cinco deles – centro de Campinas, Joaquim Egídio, Parque São Quirino, Parque Brasil Quinhentos e Replan, estes dois últimos em Paulínia. Os resultados mostraram que as emissões predominantes em todos eles é essencialmente veicular, exceto para a refinaria de Paulínia, em que predominam as emissões industriais e onde foi encontrada a maior concentração média dos COV estudados.
Nos locais de afluência veicular, a maior concentração média verificou-se em local próximo a uma avenida de tráfego intenso em Campinas. Por sua vez, constatou-se a menor concentração média em local mais distante da região urbana de Campinas. Em todos esses locais, as maiores concentrações foram sempre de tolueno e xilenos.
Motivações
Ana Cláudia Ueda enveredou por esse trabalho por se tratar de uma linha de pesquisa do professor Edson Tomaz que se dedica ao estudo da poluição urbana. Ele já havia realizado um trabalho relacionado à poluição urbana de São Paulo. Tinha interesse em conhecer um pouco mais a região metropolitana de Campinas, sobre a qual não existia estudo do mesmo porte. Por causa da proximidade com a região metropolitana de São Paulo (RMSP), a maior do Brasil, que já tinha um levantamento a respeito, “tínhamos interesse em saber em que proporção a RMC era afetada pela poluição em relação a ela, já que há uma certa conurbação entre elas”.
Ao justificar o trabalho, ela lembra ainda que o estudo da poluição atmosférica em grandes centros urbanos – e a RMC que abrange 19 municípios constitui um dos mais importantes do Brasil – tem recebido crescente importância devido à intensa deterioração da qualidade do ar. O crescimento desenfreado das cidades, o aumento contínuo da população e a intensa industrialização são fatores que impulsionam o cenário que se descortina hoje. Além disso, os setores de transportes e de geração de energia são os principais responsáveis pela emissão de poluentes atmosféricos em regiões urbanizadas.
Ana Cláudia considera ainda que a importância da região se evidencia pela presença de importantes universidades, instituições de pesquisa, indústrias de grande porte e do maior aeroporto de carga do país (Viracopos), além de sua privilegiada localização próxima à maior região metropolitana do Brasil e do litoral e do fácil acesso às principais rodovias da região. Ressalva, entretanto, que além de menor, a RMC apresenta menos fontes de poluição e é mais favorecida pelo regime de ventos que ajudam a dispersar a poluição. A região apresenta índices de poluição pelo menos quatro vezes menor que o RMSP.
A pesquisadora lembra ainda que, no Brasil, os dados sobre poluição atmosférica são escassos e sente-se feliz por poder divulgar um trabalho que pode servir de alerta aos interessados em enveredar por esse tipo de estudo. “É uma pesquisa trabalhosa e difícil, mas necessária porque a partir dela se pode implementar uma legislação que também determine padrões para a emissão de hidrocarbonetos, que causam problemas de saúde pública, da mesma forma em que são estabelecidos padrões para monóxido de carbono e outros gases”, conclui.
(Por Carmo Gallo Netto, Jornal da Unicamp Nº 498, EcoDebate, 21/06/2011)