Não nos deixemos enganar: mesmo girando em torno da manutenção de áreas verdes junto a cursos d’água,os debates sobre a reforma do Código Florestal referem-se inequivocamente ao uso do precioso líquido sem o qual desabará toda vida na Terra.
Portanto, nesse caso, mais do que nunca, os impasses individuais devem subordinar-se ao interesse coletivo de cunho preservacionista. Se prevalecer o interesse da produção agrícola, tal como ele é exercido no Brasil e na maior parte do mundo, corremos o risco de ter o futuro roubado*.
Não é só o Código Florestal. Todos os entreveros ambientais nas bacias dos rios São Francisco, Madeira, Xingu, Tietê, Doce, Uruguai e tantos outros não deixam dúvidas de que os impasses vividos pelas comunidades brasileiras giram principalmente em torno do uso da água para consumo animal, abastecimento doméstico e como insumo agrícola e industrial, aqui incluída especialmente a produção de eletricidade em represas.
Ora, a preservação do verde não pode ser um discurso vazio, uma sucessão de furos n’água. Deve ser prioridade dos governantes e das comunidades conscientes da necessidade do equilíbrio entre a vida animal-vegetal-mineral. Pois a água é o denominador comum dos três reinos acima.
Centros de destruição da vegetação, as cidades acumulam construções, carros e pessoas num processo incessante de produção, consumo, desperdício, contaminação e sujeira onde a preservação do verde costuma ficar em último lugar.
Entre a fiação elétrica e as árvores, prevalece o interesse industrial, como se vê nessa época do ano (outono/inverno), quando as prefeituras e as companhias de eletricidade iniciam as podas anuais de desobstrução das linhas elétricas.
Ainda assim, há cidades que se destacam pela arborização e o paisagismo urbano. Perto da pobreza paisagística da maioria das cidades da Metade Sul do Rio Grande – e Pelotas, convenhamos, é “pelada” em arborização –, Porto Alegre é rica em verde. A população planta árvores frutíferas nas calçadas como forma de recuperar a intimidade perdida com a natureza.
Nesse contexto aparentemente adiantado, custa acreditar que aceitem promover corridas da Formula Indy em Porto Alegre os mesmos dirigentes políticos que fizeram da capital gaúcha a sede do Forum Social Mundial em 2000. O FSM foi o contraponto ao Fórum Econômico de Davos, onde os ricos do mundo se reúnem para discutir como manter o imperialismo em perfeito estado de funcionamento.
Dez anos depois, seria de esperar que as lideranças portoalegrenses estivessem mais antenadas para os danos causados por eventos como esse, centrado no consumo deletério de petróleo e na produção intensiva de poluição atmosférica e sonora.
O prefeito da cidade é o ex-petista José Fortunatti, agora no PDT. O governador é Tarso Genro, um petista histórico. Como se explica tamanho conformismo aos ditames do Mercado? É uma mistura de falta de memória, ausência de coragem política e escassez de projetos alternativos.
Em vez de um show importado cuja montagem tende a tumultuar as ruas do centro da cidade, não seria melhor promover algum tipo de maratona ecológica que levasse a população a um pensar autônomo, sem a submissão automática que caracteriza os países econômica e culturalmente dependentes?
A pergunta não vale apenas para Porto Alegre; vale para todas as cidades que cedem seu sistema viário para a realização de corridas de carros.
* “O Futuro Roubado” é o título de um livro sobre a contaminação de alimentos por produtos químicos; escrito por Theo Colborn e outros, foi publicado no Brasil em 1997 pelaL&PM Editores, de Porto Alegre.
(Por Geraldo Hasse, Jornal JÁ, 20/06/2011)