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violência rural conflito fundiário amazônia
2011-06-16 | Tatianaf

Erwin Kräutler é austríaco, mas atua no Brasil há muitos anos. O bispo premiado por sua atuação a favor da Amazônia disse à DW que lamenta a morte de "mártires da floresta" e que convive com ameaça de se tornar mais um.

Em sua terra natal, Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, pode circular sem proteção policial pelas ruas. Pelo menos uma vez por ano, ele deixa Altamira, no Pará, para passar alguns dias na Áustria.
 
No Brasil, a escolta policial foi um meio adotado para proteger a vida do bispo, reconhecido internacionalmente pela sua atuação a favor da preservação da Amazônia, assim como da cultura local e dos povos indígenas.
 
Erwin Kräutler interrompeu o descanso para falar à Deutsche Welle sobre sua missão no Xingu, sua paixão pela Amazônia e sobre a luta contra a ambição que ameaça a floresta e que já tirou vida de muitos ativistas, os quais o bispo chama de "mártires da Amazônia". Kräutler mostra admiração por todos os "brasileiros natos" que se colocam em defesa do maior bem natural do país e lamenta a morte de amigos assassinados por denunciar crimes ambientais.
 
Deutsche Welle: Quão difícil é exercer a função de bispo na região amazônica?
 
Erwin Kräutler: Já trabalho há mais de 25 anos na região do rio Xingu e há 13 anos como bispo. Sempre estive ao lado da população, fui muito bem recebido e amo essas pessoas. Esse é um lado do trabalho: o meu amor pela população e o meu trabalho junto às comunidades.
 
Por outro lado, quando se tenta proteger a floresta tropical, quando se é contrário às queimadas e fortemente contrário a esse projeto gigante que é Belo Monte e, ainda, ao mesmo tempo, quando se mostra que direitos humanos estão sendo violados, então uma pessoa não encontra só amigos.
 
Mas tenho que dizer que o meu amor por esse povo nunca foi, nenhuma vez, abalado por todos esses problemas. O fato de eu ter tantos problemas fez com que meu amor só aumentasse. E isso também acontece do outro lado: os frequentadores da igreja se mostram solidários, estão ao meu lado, e também me amam.
 
Sobre os meus "inimigos", eles são opositores porque são movidos por essa ambição, esse desejo de enriquecimento rápido e, por isso, são capazes de passar por cima de cadáveres e, por isso, eles veem em mim alguém que possa atrapalhar esses planos.
 
O senhor conhece esses inimigos pessoalmente?
 
Sim, eu os conheço pessoalmente, mas eles se negam como tal. Eles não se admitiriam como tal, não diriam: "eu estou ameaçando você". Eu recebi cartas anônimas, até na internet há mensagens dizendo que eu não vou sobreviver a um dado dia. A Polícia Federal está investigando, mas não se pode prender um consórcio, uma máfia, mas sim pessoas.
 
Do lado da Justiça, há vários processos relacionados a essas ameaças. Por exemplo, contra este jornal que estampou umas três vezes que eu precisava sumir, que "esse bispo precisa ser eliminado". E esse caso foi levado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e não se repetiu.
 
O senhor coordenou pessoalmente protestos contra a hidrelétrica de Belo Monte e mostrou ao mundo os conflitos que envolvem esse projeto. Como o senhor se sente agora, depois que a usina ganhou a licença e deve ser construída em breve?
 
É verdade que coordenei protestos, mas é preciso dizer que sou apenas um dos que são contra esse projeto maluco e lutam há mais de 30 anos contra ele. Há muitas, muitas pessoas contrárias. Em Altamira, por exemplo, que vai sofrer bastante com o impacto da usina, eu estou completamente convencido de que a maioria absoluta é contra a construção da usina.
 
E por quê? Porque as condições impostas para que a usina fosse construída não foram atendidas. E para mim foi uma grande derrota no sentido de que o governo tem a coragem de simplesmente dar a licença e de ainda afirmar que todas as condicionantes foram atendidas. Isso não é verdade.
 
Eu moro naquele local, eu conheço muito bem a região e sei o que acontece lá. Não é verdade que as condições foram cumpridas. Isso é, para mim, um dos pontos-chave. A autoridade ambiental brasileira simplesmente ignorou essa situação.
 
Ainda existem processos em execução movidos pelo Ministério Público, que é contra a forma com que o projeto está sendo conduzido. E ainda existem cientistas, pesquisadores de renome internacional que alertaram o governo sobre Belo Monte, que o projeto não deve ser levado adiante por razões sociais, ambientais e até econômicas.
 
Como ganhador do chamado Prêmio Nobel Alternativo, o senhor teve mais facilidade de dialogar com o governo brasileiro, por exemplo, sobre Belo Monte?
 
Estive várias vezes com o ex-presidente Lula e ele me prometeu oposição ao projeto. Eu confiei nele, mas o que ele me prometeu não foi cumprido. Eu também queria falar com Dilma Rousseff e, alguns dias antes do nosso encontro, ela afirmou por meio de seu gabinete que o projeto teria que ser levado adiante de qualquer maneira. Então eu mesmo cancelei a audiência.
 
Não existe diálogo. É como se fosse uma penalidade imposta sobre nós. É preciso haver uma solução. Mas nós sabemos, a partir de outras usinas hidrelétricas construídas no Brasil, que as condicionantes não serão atendidas. O próprio Lula admitiu que existem milhões de pessoas que correm riscos devido à construção de usinas hidrelétricas, e que o Brasil tem uma enorme dívida com esses cidadãos.
 
O Nobel Alternativo é para mim um reconhecimento internacional pelo que eu faço, e isso é muito importante. Eu não sei, claro, até que ponto isso influencia o governo. A imprensa brasileira escreveu que eu ganhei o prêmio por ser um opositor ferrenho de Belo Monte, por defender os direitos humanos, a Amazônia, a floresta. Mas não ficou tão claro quais são os argumentos adotados pelo Right Livelihood Award [Prêmio Nobel Alternativo]. Mas recebi o prêmio em nome de tantas pessoas, que se agem exatamente como eu.
 
Como bispo, naturalmente, o fato ganha mais destaque. Mas eu recebi o prêmio em nome das pessoas que se comprometeram com essa missão e até perderam suas vidas em nome dela. O prêmio é importante para chamar a atenção da comunidade internacional para o assunto. Não se trata apenas de Belo Monte, mas da violação de direitos humanos das crianças, das mulheres, do problema da prostituição, do problema da escravidão moderna nessas enormes fazendas. É importante tocar nesses pontos e denunciá-los publicamente.
 
(Deutsche Welle, 16/06/2011)


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