Se as pequenas propriedades ficarem dispensadas de recompor áreas de reserva legal desmatadas irregularmente, o Brasil perderá a possibilidade de contar com o equivalente a 29,5 milhões de hectares de florestas e estará abrindo mão do que representa o confisco de 3,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Essa é a conclusão de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre regra incluída pelos deputados no projeto do novo Código Florestal.
A reportagem é de Iara Guimarães Altafin e publicada pela Agência Senado e reproduzida por Amazônia.org, 13-06-2011.
No estudo "Código Florestal: implicações do PL 1876/99 nas áreas de Reserva Legal", o instituto calculou a área de reserva legal (RL) que deixará de ser recuperada caso o novo código (PLC 30/2011) seja aprovado conforme consta no projeto, dispensando propriedades com até quatro módulos fiscais de recompor reserva legal desmatada.
Conforme o estudo, que também foi apresentado na forma de vários gráficos, o Brasil tem hoje um passivo ambiental - diferença entre o que a lei estabelece e o que efetivamente existe de reserva legal nas propriedades rurais - de 159,3 milhões de hectares. Desses, 18,5% são em áreas de até quatro módulos fiscais. São os 29,5 milhões de hectares que o país poderá deixar de recompor se o novo código entrar em vigor da forma como está - uma área um pouco maior do que o estado do Rio Grande do Sul.
Para chegar a esses números, o Ipea usou informações do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), banco de dados oficial dos imóveis rurais, gerenciado pelo INCRA. Como detalhado na metodologia do trabalho, os dados foram agregados inicialmente por município, uma vez que o módulo fiscal varia entre os municípios, e depois foram computados nacionalmente.
Crédito de carbono
O pesquisador Gustavo Luedemann, um dos autores do estudo, explica que deixar de reflorestar essa área nas pequenas propriedades terá implicações diretas nos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil em fóruns internacionais. Como exemplo, ele cita meta assumida pelo país na COP 15 (Conferência do Clima realizada em 2009, em Copenhague), que inclui o corte de emissões de 668 milhões de toneladas de CO2 por ano em atividades rurais.
- Anistiar os passivos pode atrasar os compromissos. Por outro lado, a recomposição do passivo em áreas de até quatro módulos fiscais representaria o cumprimento da meta durante 4,4 anos - disse. Um maior avanço no cumprimento das metas, no entanto, seria se o país zerasse todo o passivo de 159,3 milhões de hectares, localizado majoritariamente nas médias e grandes propriedades.
Como forma de incentivar a recomposição de reserva legal, o Ipea destaca as oportunidades de obtenção de crédito de carbono com o replantio de árvores. Os pesquisadores estimam uma renda de pelo menos US$ 5 por tonelada de carbono confiscado com essa atividade. Para se ter uma idéia, um hectare replantado no cerrado resulta na retirada de cerca de 100 toneladas de dióxido de carbono. Na Amazônia, chega-se a uma média de 180 toneladas com plantios na mesma área.
Luedemann reconhece as atuais limitações de acesso aos instrumentos econômicos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Ele informa, no entanto, que a pesquisa do Ipea pretende avançar no sentido de apontar propostas de políticas públicas para facilitar o acesso a esses mercados.
No estudo, o Ipea lembra ainda que a manutenção de vegetação nativa nas propriedades rurais contribui para existência de polinizadores e para barrar a erosão do solo, havendo ainda a possibilidade de uso manejado dos recursos vegetais.
Terra concentrada
A concentração fundiária é outro aspecto ressaltado no estudo. O Ipea contesta argumento usado quando da tramitação do projeto na Câmara, segundo o qual pequenas propriedades precisam da área de reserva legal para viabilizar a produção agropecuária. Os pesquisadores mostram que 65% dos estabelecimentos rurais são minifúndios, com até um módulo fiscal, e afirmam que liberar área da reserva legal para cultivos seria medida insuficiente para garantir o desenvolvimento da família que vive da produção nesses imóveis.
Mesmo para todo o conjunto com até quatro módulos fiscais, o limitado acesso à terra não se resolve com a fatia destinada à RL. Esse conjunto representa cerca de 90% dos estabelecimentos rurais, mas ocupa apenas 24% da área total. Frente a essa acentuada concentração de terras no Brasil, o estudo mostra que a flexibilização proposta no código florestal não será solução.
Efeitos
A pesquisa trabalha ainda com a hipótese de a anistia para propriedade de até quatro módulos fiscais já desmatadas gerar uma onda de retirada de reservas legais nas demais propriedades do mesmo tamanho. Estimativas em torno desse segundo cenário mostram que a isenção resultaria em menos 47 milhões de hectares reflorestados.
Para os pesquisadores, a anistia prevista no texto em exame no Senado contribuirá para que esse quadro se confirme, uma vez que terá maior valorização dentro da realidade do agronegócio a propriedade que descumpriu a lei, desmatou reserva legal para produção agropecuária e mesmo assim estará regularizada por ter sido anistiada.
Já a manutenção da exigência de reserva legal para todos os imóveis rurais, argumenta o Ipea, será mais um incentivo para a preservação das matas, pois serão valorizados os estabelecimentos que respeitaram a legislação ambiental.
(Ihu-Unisinos, 14/06/2011)