O bom momento da energia eólica no Brasil, com forte inserção nos leilões e a previsão de multiplicação por 14 ao longo da década, não significa que se vá abrir mão das fontes tradicionais de fornecimento. A matriz hidrelétrica segue como prioridade, incluindo obras de médio e grande portes na região amazônica, apesar de tensões sociais e críticas relacionadas a impactos ambientais.
Gesmar Rosa dos Santos, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acredita que as previsões para a energia eólica serão revistas para cima nos próximos anos. “Já se sabe que o potencial eólico é muito grande. Faz-se um planejamento com certa margem de segurança, mas a possibilidade é muito maior se o setor privado entrar com força.”
Orgulhoso de ostentar uma matriz energética “limpa”, o país vê crescer as contestações aos impactos sociais e ambientais das hidrelétricas, mas o governo garante que não vai abrir mão dessa fonte como forma de assegurar o crescimento econômico. “No que diz respeito à geração, a hidreletricidade continua sendo a prioridade, acompanhada de perto pela energia eólica e a biomassa”, resumiu recentemente Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A EPE, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, aposta que o consumo total no país vai crescer em mais de 60% até 2020, embora vá haver melhoria da eficiência tecnológica. A geração de energia elétrica receberá R$ 190 bilhões até lá, sendo que R$ 90 bi já estão contratados. A verba restante terá 55% de destinação a hidrelétricas e 45% a outras fontes.
Palco de tensões
O Plano Decenal de Energia indica crescimento na capacidade de fontes mais poluentes, como termoelétricas movidas a carvão mineral, que ainda representa 45% do consumo domiciliar de energia, e óleo combustível. As usinas de biomassa, que podem ser mais ou menos poluentes de acordo com a fonte, mais que dobrarão a capacidade, chegando a 9 mil megawatts de geração.
O panorama traçado pela EPE indica ainda que 10 das 24 hidrelétricas previstas para serem construídas na segunda metade da década ficarão no Norte do país, que concentra a Amazônia Legal. Ficam na região os maiores empreendimentos, com capacidade para gerar 15 mil dos 18 mil novos megawatts que entrarão no sistema de 2016 a 2020. A grande obra será São Luís do Tapajós, com potência de 6.130 megawatts, quase o dobro da usina de Jirau, em Rondônia, marcada pela revolta de trabalhadores submetidos a más condições.
Não é só o problema trabalhista que coloca em dúvida as construções na região amazônica. Belo Monte, programada para ser a segunda maior hidrelétrica brasileira, será instalada na região de Altamira, no Pará, sob fortes protestos nacionais e internacionais. Organizações sociais, somadas ao Ministério Público Federal, indicam que as obras terão forte impacto social e ambiental na região, prejudicando indígenas que não chegaram a ser consultados como gostariam e como demandam convenções internacionais firmadas pelo Brasil.
Contestação
O IPCC, painel da Organização das Nações Unidas (ONU) para as mudanças climáticas, entende que a geração de energia a partir de barragens pode ser interessante do ponto de vista da emissão de gases poluentes desde que exista forte investimento na mitigação dos efeitos das obras. Essa contrapartida permanece como grande desafio. Santos, do Ipea, soma-se a esta leitura: “Só que nosso histórico não é de respeitar a legislação, é de desrespeitar”.
O Ibama sofreu forte contestação por conta da atuação no processo de Belo Monte, desde as audiências públicas até a concessão das licenças de construção. Procuradores da República no Pará colocam em dúvida os debates realizados em quatro pontos do Pará, indicando que alguns ribeirinhos e indígenas não puderam chegar aos locais de discussão e que a palavra de moradores locais não era respeitada.
Ao longo do processo de concessão de licenças, dois presidentes deixaram o instituto por conta de pressão ministerial, abertamente de Édison Lobão, titular de Minas e Energia. Por fim, a licença de instalação da usina foi concedida sem que algumas das condicionantes tivessem sido cumpridas. Temem-se em especial a remoção de populações indígenas e ribeirinhas, o aumento do desmatamento e a redução da vazão do rio Xingu, com impactos para o estilo de vida local.
Ruberval Baldini, presidente da Associação Brasileira de Energias Renováveis e Meio Ambiente (Abeama), entende que isso poderia ter sido evitado se, nas décadas anteriores, os governos tivessem estimulado o desenvolvimento de fontes alternativas. “É mais barato, então vai devastando. Vai acabar com a Amazônia porque precisa produzir. Não digo que cancelaria investimento em hidrelétrica, mas estaria incentivando o investimento em energia solar porque estamos muito atrasados.”
É consenso que o Brasil terá de investir em pesquisa para reduzir seu atraso tecnológico em alguns campos, exceção feita à hidreletricidade, e para amenizar a emissão de gases que provocam efeito estufa. Como o setor industrial responde pela maior parte do consumo, a EPE cobra a iniciativa privada para que divida as tarefas. Bons em demandar, os empresários nem sempre estão dispostos a compartilhar responsabilidades.
(Rede Brasil Atual, 13/06/2011)