O desmatamento é considerado a maior ameaça à sustentabilidade das florestas tropicais, isso porque, segundo Paulo Moutinho, as principais florestas estão localizadas em países em desenvolvimento, que priorizam a agricultura e investimentos em infraestrutura. Apenas na Amazônia, nos últimos 30 anos, já foram “desmatadas mais de 50 milhões de hectares, o que corresponde a duas vezes ao tamanho do estado de São Paulo”, aponta.
No Brasil, 80% do desmatamento florestal está concentrado nos estados do Pará, Roraima e Mato Grosso, e “70% da remoção das florestas ocorre para o desenvolvimento de outras atividades como a pecuária extensiva de baixa rentabilidade”, informa. Entre as causas indiretas que levam ao desmatamento, Moutinho assinala “as políticas de fomento ao crédito agrícola ou pecuário e as políticas que envolvem investimentos em grandes empreendimentos de infraestrutura”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o pesquisador explica que o desmatamento florestal aumenta os efeitos do aquecimento global e que a preservação das florestas é importante porque elas funcionam como um “amortecedor das mudanças impostas pela modificação do clima global. Se destruirmos as florestas com a velocidade que estamos destruindo nos últimos 20 anos, provavelmente esse amortecedor acabará e teremos grandes secas e riscos de desertificação em áreas da Amazônia”, conclui.
Paulo Moutinho é doutor em Ecologia e atua como professor orientador de pós-graduação na Universidade Federal do Pará.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as características das florestas tropicais?
Paulo Moutinho – As florestas tropicais se diferem de outras pela fisionomia: são altas, densas e extremamente úmidas, além de terem uma diversidade de espécies de animais e de plantas. Para se ter uma ideia, cerca de 20% da diversidade planetária está contida na floresta Amazônica, que é uma floresta tropical típica. Outra característica é a alta concentração de carbono. O número de árvores por hectare é muito alto, com uma densidade de madeira elevada, o que tem implicação importante para a mudança do clima. As florestas tropicais acabam sendo, nos tempos atuais, em função do clima aquecido, um dos grandes ar-condicionados do Planeta.
IHU On-Line – Qual a atual situação ambiental das florestas tropicais no mundo?
Paulo Moutinho – São as florestas que mais perdem área por desmatamento. Na Amazônia, nas últimas três décadas, foram desmatados mais de 50 milhões de hectares, o que corresponde a duas vezes ao tamanho do estado de São Paulo, ou ao tamanho do território francês. Portanto, o desmatamento é a grande ameaça às florestas tropicais, porque elas se concentram nos países em desenvolvimento e muitos deles, como os africanos possuem uma governança baixa e, portanto, a floresta acaba cedendo espaço à agricultura, à pecuária, ao agronegócio. Então, apesar de ser uma das últimas grandes formações vegetais contínuas do mundo, as florestas tropicais também são as mais ameaçadas.
IHU On-Line – Além do desmatamento, que outros fatores contribuem para os problemas ambientais nas florestas tropicais?
Paulo Moutinho – Em termos gerais, vários fatores contribuem e podemos dividi-los em dois grandes blocos: as causas diretas e as indiretas. As causas diretas são aquelas que afetam a vegetação, como a exploração madeireira em praticamente todas as florestas tropicais. Essa exploração é feita de forma não manejada e, portanto, causa estragos na floresta tornando-a vulnerável a incêndios florestais. No Brasil, 70% da remoção das florestas ocorre para o desenvolvimento de outras atividades como a pecuária extensiva de baixa rentabilidade. Além disso, têm os impactos dos investimentos de infraestrutura, que acabam gerando ou dando acesso a áreas que estão sendo protegidas passivamente pela falta de estradas e de acesso humano a essas regiões.
Entre as causas indiretas estão as políticas de fomento ao crédito agrícola ou pecuário e as políticas que envolvem investimentos em grandes empreendimentos de infraestrutura. Além do mais, os preços das commodities como grãos, minério, carne, no âmbito internacional, fazem com que aumente a demanda sob esses produtos e, portanto, aumente a pressão sob a conversão de áreas florestais em áreas de produção.
IHU On-Line – Considerando a extensão territorial do Brasil, que percentual ainda é destinado às florestas?
Paulo Moutinho – No Brasil, a grande massa florestal é formada pela Amazônia e pela mata Atlântica, que cobrem, em matas originais, pouco mais de 60% do território nacional. Precisamos definir o que é uma floresta: muitas vezes, as áreas de cerrado são florestas de transição entre a Amazônia e o bioma Cerrado. Também existem as florestas de Araucária no sul do país, e o resto da Mata Atlântica. O Brasil tem caminhado numa trajetória desastrosa, uma vez que as florestas, historicamente, são consideradas uma barreira à ocupação e ao desenvolvimento.
IHU On-Line – Que percentual da floresta amazônica ainda está protegido?
Paulo Moutinho – Cerca de 20% da Amazônia já foi degradada. Isso nos indica um processo de degradação bastante grande. Por outro lado, ainda resta 80% da floresta com a cobertura florestal permanente. Apesar desse cenário majoritário de preservação, temos de lembrar que existem diferentes tipos de degradações florestais que não necessariamente a derrubada completa da floresta, mas seu empobrecimento, seja através de incêndios, de exploração madeireira, seja através de outras atividades de extrativismo não controlado.
IHU On-Line – Quais os impactos do empobrecimento do solo na manutenção da floresta?
Paulo Moutinho - O empobrecimento do solo acontece quando se retira a vegetação da floresta tropical e tenta se estabelecer outra cultura no local. Em grande parte, a riqueza do solo amazônico ou de qualquer floresta tropical está nos primeiros metros da camada da superfície, especialmente naquele emaranhado que se forma de raízes e folhas apodrecendo. Quando se retira essa floresta, principalmente em áreas chuvosas, os nutrientes do solo empobrecem e a terra fica esterilizada – isso está acontecendo na Amazônia nos últimos 15 anos. Então, nas regiões tropicais, a retirada das florestas está causando uma queda de fertilidade do solo.
IHU On-Line – A maior parte das terras da Amazônia está sob domínio público ou privado?
Paulo Moutinho – Essa é uma pergunta difícil de responder porque o problema fundiário na Amazônia é bastante grande. Hoje, quase 45% da região está dentro de áreas protegidas em diferentes categorias, seja em unidades de conservação, terras indígenas, ou reservas extrativistas. Diria que a maior parte das terras da Amazônia está legalmente sob domínio do poder público. Mas, de fato, isso não acontece devido ao imenso processo de grilagem, de invasão de áreas protegidas, em função do desmatamento e do uso ilegal dessas terras.
IHU On-Line – Que região da floresta Amazônica está mais depredada? Em que estados da federação a situação ambiental das florestas é mais crítica?
Paulo Moutinho – Três grandes estados colaboram com uma grande parcela do desmatamento histórico, embora vários tenham reduzido a degradação das suas florestas. 80% do desmatamento provocado historicamente está concentrado em Mato Grosso, Pará e Rondônia por causa de investimentos em infraestrutura e em programas governamentais de incentivo ao agronegócio e à pecuária. No Pará, o desmatamento ocorreu em função da abertura da BR-010, conhecida como Rodovia Belém-Brasília ou da PA-150, que liga Marabá ao norte do estado; em Rondônia, foi construído o polo noroeste, que ligou Cuiabá a Porto Velho; e no Mato Grosso, foi construída a malha viária mais difusa e que dá acesso a diferentes locais do estado.
Portanto, o investimento em infraestrutura nos últimos 20 anos, sem cuidado à floresta, gerou um desmatamento imenso. A infraestrutura nesta região é importante, mas ela precisa ser feita depois que o poder público e o estado estejam presentes, regulando o modo de ocupação dessas regiões.
Foram feitos investimentos históricos para derrubar a floresta porque ela era e continua sendo vista como a grande barreira ao progresso, à ocupação da Amazônia, e a integridade do território nacional na região norte.
IHU On-Line – Quais os efeitos das mudanças climáticas para as florestas? De que maneira as áreas florestais já foram atingidas pelas mudanças do clima?
Paulo Moutinho – Tem um caminho de mão dupla nesse caso. O aquecimento global que leva, por exemplo, ao aumento da frequência e da intensidade do fenômeno climático chamado El Niño, traz muita seca para a região amazônica e muita chuva para o sudeste. Exemplo desse fenômeno são as inundações em São Paulo, Rio de Janeiro e secas pronunciadas na região amazônica. Dessa forma, à medida que o Planeta se aquece, esse evento climático (El Niño) torna-se mais intenso e frequente, afetando as florestas, especialmente provocando incêndios na região.
O aquecimento do Atlântico Norte, outro efeito previsto pelo aumento da temperatura do Planeta, também traz seca e incêndios para a Amazônia. Então, dessa forma, a mudança climática afeta a floresta de maneira substancial.
Por outro lado, esse processo de degradação e de mudança climática, seja regional ou global, é intensificado à medida que aumenta o desmatamento. A floresta, hoje, é um amortecedor das mudanças impostas pela modificação do clima global. Se destruirmos as florestas com a velocidade que estamos destruindo nos últimos 20 anos, provavelmente esse amortecedor acabará e teremos grandes secas e riscos de desertificação em áreas da Amazônia. O que precisamos entender é que, embora as mudanças climáticas afetem a Floresta Amazônica, a floresta resiste a essa mudança e torna a situação mais promissora ou adequada na região.
IHU On-Line – Como as florestas ajudam a regular o nível de carbono no Planeta?
Paulo Moutinho – Regulam o nível de carbono na medida em que agem de duas formas. Primeiro, retirando o carbono da atmosfera, ou seja, fazem o serviço de vassoura. Hoje se sabe que a floresta amazônica como outras florestas tropicais do mundo estão em crescimento, portanto, através de fotossíntese elas retiram o gás carbônico da atmosfera. A segunda contribuição ocorre quando elas mantêm o gás carbônico nos troncos, nas folhas e nas raízes. Na medida em que elas fazem isso, agem como um armazém de carbono e não deixam que esse carbono fique diluído na atmosfera, exercendo um aumento na temperatura.
IHU On-Line – Como o senhor vê a utilização do mecanismo REDD para proteger as florestas? Este é um instrumento economicista, que dificulta a conscientização ambiental da sociedade, uma vez que para proteger florestas os países receberão um rendimento monetário?
Paulo Moutinho – As florestas podem ser protegidas através de legislações e de fiscalizações de comando e controle. Essas medidas têm sido usuais, mas aparentemente não têm sido suficientes para proteger as florestas do mundo, especialmente as brasileiras. Portanto, é preciso introduzir um conceito econômico neste sistema de fiscalização e legislação. O REDD sinaliza esta possibilidade. Ele tem um conceito de que ao fazer um esforço de conservação ou redução de desmatamento, os países têm direito a uma compensação pelo esforço feito. Essa compensação pode ser, inclusive, monetarizada e gerar renda.
Nesse sentido, não acredito que se tenha um efeito negativo de deixar as pessoas sem ação ao se implantar um mecanismo como esse, porque no final do processo o resultado é a conservação da floresta e ela inserida dentro de um sistema econômico competitivo. Portanto, o REDD é um jeito de trazer a floresta em pé para dentro de um sistema econômico e desta forma aumentar as chances de conservação.
IHU On-Line – Por que é importante preservar as florestas para a sustentabilidade do Planeta?
Paulo Moutinho – Porque a floresta é, principalmente na questão das mudanças climáticas, fundamental para manter a habitabilidade. Se nós não conseguimos reduzir o desmatamento tropical e conservar os grandes estoques de florestas, certamente o mundo ou o clima entrará em um processo de instabilidade perigoso, onde os eventos extremos se tornarão cada vez mais frequentes, provocando prejuízos econômicos e de vidas humanas. Conservar a floresta, hoje, é conservar a habitabilidade futura do Planeta.
(IHU-Unisinos, 13/06/2011)