Em 1º de fevereiro de 2010, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu uma licença ambiental parcial (Licença Prévia nº 342/2010) para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, vinculada ao cumprimento de 40 condicionantes gerais e mais 26 relacionadas aos Povos Indígenas, dentre estas, aquelas referentes: ao processo de deslocamento compulsório dos "atingidos"; e à demarcação e desintrusão de terras indígenas. Sem que fossem cumpridas estas condicionantes e outras, em 26 de janeiro de 2011, passou-se à segunda fase do licenciamento. Foi concedida a Licença de Instalação (nº770/2011), autorizando a instalação do canteiro, alojamentos para trabalhadores, abertura de estradas e outras obras de infraestrutura da construção.
Desde o segundo semestre de 2010, observa-se o adensamento de um clima de apreensão e preocupação entre moradores da área designada Volta Grande do Xingu, na qual estão autorizados os trabalhos de instalação. Nesta área, vivem agricultores familiares, pescadores, extrativistas, comunidades tradicionais e povos indígenas, dispostos num complexo socioespacial, com uma situação fundiária delicada, na qual há ocupações não legalizadas; terras indígenas não demarcadas ou invadidas.
Um dos primeiros efeitos do não cumprimento das condicionantes está sendo, por um lado, um processo de expropriação de povos tradicionais e agricultores familiares; e, por outro, o acirramento de tensões e conflitos preexistentes, notadamente no que diz respeito aos povos indígenas e suas terras.
Expropriação de povos tradicionais e agricultores familiares
Na ausência de qualquer programa específico, a empresa Norte Energia (consórcio estatal) tem se reportado a estes moradores como comprador individual de terras, munida, entretanto, de um discurso de pressão e intimidação que, assentado na existência da Licença de Instalação, transforma a expropriação em uma situação inexorável. Isto tem motivado a "venda" da terra à empresa, com o deslocamento de toda a família para a cidade de Altamira, subtraindo-lhe os meios tradicionais de produção e de reprodução. À luz de outras experiências de construção de barragens, podemos afirmar que está em curso em Altamira (PA), com Belo Monte, um processo de expropriação, cujo desdobramento é coletivo, mas que sendo tratado de forma individual mascara o processo em curso e intimida aqueles que o vivenciam.
Ameaça de morte a lideranças indígenas
José Carlos Ferreira Arara - TI Terrã Wãgã (Volta Grande do Xingu) - Na semana de 17 de abril de 2011, José Carlos, líder dos índios Arara da Volta Grande do Xingu, foi ameaçado de morte, tendo como possíveis ameaçadores invasores da área indígena, que está sendo demarcada. Uma semana depois, na manhã do dia 25, cerca de 200 agricultores que habitam no interior da Terra Indígena, ocuparam a sede da Funai em Altamira. No dia 28, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos encaminhou ofício ao Programa Estadual de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos do Estado do Pará, solicitando proteção policial.
Sapinho Parakanã - TI Apyterewa (Rio Xingu) - Na semana de 05 de maio, Sapinho Parakanã foi procurado por um pistoleiro, na Casa do Índio, onde fica hospedado quando está em Altamira. O vigia da casa informou que naquele momento ele não estava no local. Sapinho é um jovem de 30 anos de idade que desde cedo aprendeu a defender seu território, invadido por fazendeiros e madeireiros desde os anos 1980.
Estas situações dão a dimensão do clima de tensão e da gravidade dos conflitos que se verificam hoje em Altamira, após a concessão da Licença de Instalação. Como sabemos, os efeitos destes grandes projetos são resultado da combinação da ação da empresa e das condições sociais preexistentes. No caso de Altamira, uma situação social e política historicamente tensa, com graves conflitos fundiários, uma intervenção estatal açodada, descomprometida com as cautelas constantes da legislação e autoritária na condução dos processos.
(Brasil de Fato, 09/06/2011)