Lar de 174 espécies de mamíferos terrestres e aquáticos, 2 mil de plantas, 837 de aves, 263 de peixes e 135 de répteis e anfíbios, sem contar os milhares de tipos de insetos, o Pantanal é um dos biomas mais diversificados do mundo. A maior planície de inundação contínua do planeta, conforme a definição da Comissão Interministerial para Preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, não tem o apelo de uma floresta tropical, como a Amazônica, mas nem por isso é menos impressionante. Poucos lugares da Terra possibilitam a observação de tantos animais concentrados em um único ambiente, ao mesmo tempo em que oferece imagens deslumbrantes, como o espetáculo das cheias e o mosaico da vegetação. Reportagem de Paloma Oliveto, no Correio Braziliense.
Toda essa riqueza, porém, está ameaçada pelos mesmos flagelos que atingem a Região Norte do país. Desmatamento, construção desordenada de barragens, introdução de espécies invasoras, falta de regulamentação do turismo e fragilidade na fiscalização começam a desestruturar a biodiversidade. Para chamar a atenção sobre a riqueza do Pantanal e os desafios para sua conservação, um grupo de cientistas publicou uma edição inteira do Brazilian Journal of Biology dedicado a ele. A intenção do conjunto de artigos é colocar o bioma na agenda das políticas públicas, além de incentivar novos pesquisadores a explorar a área que, no Brasil, divide-se entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
“Esse periódico é um dos mais tradicionais da área biológica. Ele tem um índice de citação muito grande e repercute em todo o mundo científico”, explica Cleber Alho, professor titular aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e atual orientador da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp). Ele assina o editorial da publicação, além de diversos artigos da revista. “O Pantanal é um bioma de grande importância global. É um atrativo biológico por ele mesmo, um lugar cênico. Mas também tem ameaças sérias”, alerta.
A imensa planície alagada é caracterizada pela variação de enchentes e vazantes. “Esse regime hídrico é que faz o Pantanal único”, explica Alho. Os nutrientes carregados pelos rios são a base da pirâmide alimentar de peixes, micro-organismos e aves, por isso, qualquer alteração nesse padrão é uma ameaça a todo o bioma. O desmatamento no entorno já afetou mais de 60% da área, trazendo impactos negativos à cabeceira dos rios. Dentro do bioma, 16% da vegetação já foi devastada. “As pesquisas científicas sobre esses componentes servem para trazer mais subsídios técnicos, que podem ser aproveitados para esclarecer e conscientizar o grande público”, acredita o cientista.
Cursos d’água
“As duas principais ameaças são o uso descontrolado do solo nas áreas do entorno e o desflorestamento”, afirma o geógrafo Jurandyr Luciano Sanches Ross, do Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Ele é autor de um artigo publicado em outra edição do Brazilian Journal of Biology, a respeito da geomorfologia e a diversidade no Pantanal. Além do desmatamento, o bioma sofre com um problema que cada vez se agrava mais: a multiplicação de pequenas centrais hidrelétricas (PCH). De acordo com a legislação brasileira, as centrais pequenas não precisam de um estudo de impacto ambiental nem de um plano de ações de mitigação. Com isso, na prática, qualquer pessoa pode fazer sua PCH, independentemente dos danos possíveis.
“Um fazendeiro, por exemplo, pode decidir fazer uma pequena central em uma queda d’água e imediatamente recebe a licença. Isso é um incentivo para a multiplicidade de hidrelétricas”, critica Alho. De acordo com ele, 116 centrais já foram planejadas, sendo que 29 estão em funcionamento. Um estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostrou que o impacto é muito negativo. As barragens impedem não só o fluxo dos peixes, mas também o deslocamento dos nutrientes pelas águas. Isso é prejudicial para a alimentação e a desova. Outro problema é que os sedimentos acabam assoreando os rios.
Para Cleber Alho, os cientistas precisam se valer de dados técnicos para convencer o poder público de bloquear as ações de depredação no Pantanal. “Há várias maneiras de convencimento. Algumas associações partem para o ativismo. Mas os cientistas preferem o convencimento técnico. O trabalho tem de ser feito e publicado, não pode ficar numa prateleira”, afirma.
Outra ameaça à biodiversidade pantaneira é a pecuária. Áreas da grande planície têm sido transformadas em pasto, não para o tradicional boi pantaneiro, o tucura, que chegou à região em 1542, introduzido pelos espanhóis e bem acostumado com as variações de cheias e vazantes características do bioma, mas para o nelore. Com isso, apesar de adaptado às condições locais, o tucura corre risco de extinção. Em todo o país, há apenas 500 cabeças da raça, confinadas em dois únicos criatórios. “Por causa dessa competição, os pecuaristas estão desmatando as cordilheiras para introduzir pasto. O impacto é enorme”, alerta o professor da Uniderp.
(EcoDebate, 06/06/2011)