A comunidade quilombola de Batateira, situada na Ilha de Tinharé, no município baiano de Cairu, quer providências do Estado contra as ameaças e a violência que vêm sendo impetradas há dois anos por “Maneca Ché”, que se diz dono da área.
As invasões à comunidade, os atos de terrorismo e as ameaças estão descritas na carta aberta assinada pelo Conselho Quilombola do Estado da Bahia e pela Rede Mocambos – Núcleo de Formação Continuada do Sul da Bahia. Situada na Ilha de Tinharé, município de Cairu (BA), cuja responsabilidade é da União pela natureza de sua área, a comunidade é ocupada pelos moradores e seus ancestrais há mais de 100 anos. Apoiado por policiais armados o Sr. Manoel Palmas Ché Filho, dizendo-se dono das terras, vem invadindo a comunidade, fazendo ameaças às lideranças e moradores apontando-lhes armas. Não bastasse isso, mandou derrubar o píer de embarque e desembarque e mais três casas da comunidade, além de ordenar tiros para o alto e fazer intimidações de toda ordem.
Assim, a comunidade pede socorro e divulga carta aberta relatando os fatos e pedindo assistência jurídica para enfrentar as ameaças. Leia a carta abaixo.
As ameaças continuam e a comunidade pede socorro!
A comunidade quilombola de Batateira localiza-se na Ilha de Tinharé, nas proximidades da Vila de Garapuá e pertence ao município de Cairu. Como trata-se de uma ilha a natureza de sua área é de responsabilidade da União. Os moradores que ocupam essa área estão ali há mais de 100 anos. Tendo toda a ancestralidade comunitária e de parentesco reconhecida pela Fundação Cultural Palmares. Trata-se de uma comunidade de cerca de 30 famílias que sobrevive em situações precárias, em casas em sua maioria de taipa, palha e madeira. Na comunidade não tem energia elétrica e é desprovida dos principais serviços básicos que qualquer cidadão tem direito.
O conflito nessa comunidade começou em 2009, quando houve a mobilização de pedido de reconhecimento quilombola pela comunidade com frequentes visitas à comunidade e com seguidas ameaças do Sr. Manoel Palmas Ché Filho, filho do ex-prefeito de Cairu.
Em maio de 2010, o conflito teve início quando numa visita do "Maneca Ché", como é conhecido, mais cinco policiais fardados e outros homens, todos armados com armas de fogo, diziam ter mandado judicial para estarem ali, e além de reforçar as ameaças derrubaram o pier que a comunidade usava como embarque e desembarque.
Depois que a Fundação Palmares expediu a certidão quilombola à comunidade, os seus moradores voltaram a receber novas ameaças, foi quando em 09 de setembro de 2010, Manoel Che Filho invadiu a comunidade com mais 12 homens, entre eles 3 policiais a paisana. Eles chegaram às 7h da manhã e ficaram até às 15h. Nesse periodo de 8h que permaneceram na comunidade, derrubaram mais 3 casas, atiraram várias vezes pra cima, colocaram revolvers na cabeça de mulheres e adolescentes, xingaram os moradores, colocaram a liderança da comunidade Claudeci numa roda com 12 homens e bateram no seu rosto, ameaçando sua vida, na frente das crianças da comunidade, inclusive seu filho de 5 anos, que tem demonstrado traumas de ter presenciado a violência com sua comunidade e sua família.
O comandante da Polícia Militar de Valença, major José Raimundo Carvalho Pessoa, esclareceu que a atuação ilegal de policiais militares que deram apoio ao "Maneca Che", correu à revelia do Comando da 33ª Companhia Independente da Polícia Militar de Valença. Em depoimento, os policiais denunciados negaram a participação no caso denunciado e recorreram ao direito de falar somente em juízo e na presença do advogado. Não se tem informação que o processo judicial foi aberto.
Em outubro de 2010 foi realizada uma audiência pública organizada pela SEPROMI, que teve como objetivo de ouvir, avaliar e traçar estratégias para solucionar os sucessivos conflitos ocorridos na Comunidade de Batateira. Participaram da audiência autoridades, o pseudo fazendeiro Maneca Che e seus representantes, a sociedade civil representada pelos movimentos de pescadores, Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra, o Conselho Pastoral da Pesca, Quilombolas de outras regiões, Representantes do INCRA, DPE, SPU, Governo do Estado, Prefeitura de Cairu e etc.
Há poucos dias, as ameaças retornaram, o pseudo fazendeiro insiste que vai voltar na comunidade e derrubar o resto das casas, a liderança da comunidade vem sendo seguida e ameaçada de morte, as famílias estão apavoradas.
Não existe nenhum advogado assistindo a comunidade, o que gera uma preocupação ainda maior. No último sábado dia 28 de maio, o Sr. Manuel Che voltou à comunidade com mais 7 homens, voltou a fazer ameaças, alegou ter ordem judicial para não permitir nenhuma construção mais naquela ilha (mas não mostrou o documento), o que resultou na derrubada de mais uma casa na comunidade e a ameaça que ele estaria voltando com um grupo de criminosos para aterrorizar e levar tudo abaixo nos próximos dias. As famílias, em especial as crianças, estão apavoradas. A polícia, apesar de acionada durante nova invasão, só apareceu na comunidade horas depois e em nenhum momento consegue gerar nenhum tipo de proteção à mesma, todos os indícios e o histórico desses dois anos revelam na verdade uma polícia comprometida com a ação criminosa do pseudo fazendeiro, até por que, nenhum criminoso age tão abertamente como esse senhor, sem sofrer prisão preventiva, se não tiver uma cobertura, ou no mínimo uma escancarada omissão da polícia com o caso.
Esse breve texto tem como intuito chamar a atenção dos organismos e instituições estaduais, nacionais e internacionais a respeito da proteção dos direitos humanos, dos direitos das crianças e dos adolescentes, dos afrodescendentes em suas comunidades quilombolas e dos direitos das mulheres, assim como o apoio de diferentes tipos de mídias que possam colaborar com o apoio à comunidade:
A comunidade de Batateiras no município de Cairu Bahia não pode ficar sem assistência jurídica!
Um criminoso que faz abertamente esse tipo de ação, deve ter imediatamente sua prisão preventiva efetuada, assim como os seus comparsas! A justiça e a segurança pública precisam funcionar!
A Segurança Pública não pode estar a serviço de criminosos e gananciosos e precisa se comprometer com a proteção dessa comunidade! Não se pode esperar que mais lideranças padeçam a espera de uma ação efetiva! O INCRA precisa agilizar o processo de Titulação, Identificação e Demarcação das terras Quilombolas e em especial das comunidades que estão em processo de conflito.
(ISA, 03/06/2011)