Mato Grosso está à beira de um colapso ambiental e coleciona números negativos, que colocam o Brasil sob alerta mundial. Em 4 meses foram desmatados 50 mil hectares de floresta, o que representa 71,4% de toda destruição na Amazônia Legal no período. A estação de seca inicia este ano com a previsão de um longo período de estiagem, ameaçando a repetição de um ciclo de queimadas como ocorreu no ano passado. Além disso, rios também estão sujeitos à seca completa.
O "desequilíbrio" ambiental verificado com o avanço rápido dos antigos tratores com correntões ao Norte do Estado, segundo especialistas, é consequência do "afrouxamento" de fiscalização por órgãos ambientais e uma legislação estadual motivadora de ações criminosas.
Desde a ocupação humana, Mato Grosso perdeu 281 milhões de árvores da Amazônia Legal, aponta a pesquisa Geoestatísticas de Recursos Naturais da Amazônia Legal divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) esta semana. Isso representa 14% da cobertura vegetal inicial. O ano de referência do estudo é 2002 e mostra que em todo país foram eliminadas 2,6 bilhões de árvores. A devastação mato-grossense é a segunda maior em números absolutos do Brasil, atrás do Pará, que eliminou 1,2 bilhão de árvores.
A floresta amazônica é a grande responsável pela absorção de gás carbônico (CO2), composição expelida de veículos, de animais e das próprias pessoas. É preciso haver uma compensação, explica o professor do Departamento de Engenharia Florestal, Otávio Peres Filho. Esta é uma questão exigida em acordos mundiais e dos quais o Brasil faz parte. Ele destaca ainda para a influência direta na saúde da população.
A árvore proporciona a retenção de ruído, poeira, sombra e a regulação climática, tão peculiar em Mato Grosso. À medida que as florestas são eliminadas, sensivelmente essas alterações contribuem para um sistema mais complexo e que é sentido em estados do Sul e Sudeste em formas de enchentes. A relação não é direta e depende de outros fatores, mas, destaca para a importância da quantidade exponencial do Estado para o país.
Bola da vez - O desmatamento iniciou no Sul do Estado com o processo migratório e foi na década de 70 que o processo se intensificou. O Cerrado foi o grande bioma afetado, o Pantanal também sofre gradativamente com a ação do homem, mas agora é a vez da Floresta Amazônica, o mais extenso dos biomas brasileiros. Ela corresponde a 1/3 das florestas tropicais úmidas do planeta, detém a mais elevada biodiversidade, o maior banco genético e 1/5 da disponibilidade mundial de água potável, informa o IBGE. A região denominada "Arco de Fogo", que compreende a região Norte do Estado, é o foco das ações de combate. A concentração de floresta atrai o interesse comercial dos desmatadores.
Mas, o salto na devastação sentido este ano foi atípico. Otávio atrela o aumento da quantidade de áreas desmatadas a um "relaxamento" da fiscalização por parte dos órgãos públicos. A discussão envolvendo o Código Florestal e a consequente aprovação na Câmara dos Deputados do texto, que já apontava para a anistia de determinados desmatadores, motivou a ação dos criminosos, principalmente na região de Sinop (500 km ao norte de Cuiabá). O "perdão" de dívidas incentivou a busca por novas áreas, diz o professor. "Nesse momento, o Código é promovedor do desmate, é a segurança de que não serão punidos".
Com esse clima, o especialista avalia que desmatar no Estado se tornou propício. O correntão é uma técnica muito antiga e desde a década de 70 não se tinha noticias de sua utilização. Esses equipamentos são os mesmos utilizados em âncoras de navios e têm poder de devastação principalmente em florestas de transição, os chamados "cerradões".
A fiscalização em Mato Grosso não é eficiente, avalia o engenheiro florestal. A falta de ações estratégicas dificulta os resultados em campo. É preciso o uso de equipamentos de geoprocessamento em tempo real e sistemas de amostragem com imagens de satélite para indicar um trabalho certeiro.
Temperatura alta - Outro alerta que voltou a soar no Estado este ano é o das queimadas e o governo do Estado já estuda a antecipação do período proibitivo. Oficialmente, a ação inicia em julho e vai até setembro. Mas, devido ao indicativo de condições climáticas desfavoráveis, como intenso calor e baixa umidade relativa do ar, a data por ser antecipada.
A estação metereológica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) aponta que no mês de maio choveu apenas 2,9 milímetros, o que representa 5 vezes menos do que o mesmo período do ano passado. Em relação à média histórica, monitorada desde 1938, a diferença chega a ser 18 vezes menor.
O professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rubem Mauro Moura, explica que a média do mês de maio pode indicar como será o período de seca. Em 2010, o índice pluviométrico foi grande nos 3 primeiros meses e caiu drasticamente a partir de abril, ocasionando os altos índices de focos de calor e queimadas, que foram registrados no Estado.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, no ano passado Mato Grosso registrou 265.418 focos de calor, o que representou 24,4% do número em todo país no período e o pior número dos últimos 5 anos. Ações devastadoras de queimadas ocorreram em Marcelândia, Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e Peixoto e Azevedo de formas mais severas. Os ventos fortes em determinados meses potencializou a ação irresponsável de pessoas.
À beira da contaminação - A ocorrência de mais ou menos chuvas é um processo cíclico natural, explica Rubem Mauro. Nos últimos 30 anos houve um incremento de 15% nas precipitações e um aumento de 20% da vazão espontânea de rios da Bacia do Prata. A oferta aumenta devido ao maior volume de chuva, mas esse não é o fator único. O professor Rubem Mauro explica que o desmatamento implica no aumento da vazão.
A interferência humana na eliminação de árvores e queima ilegal impede a terra de "segurar" a água da chuva. Os lençóis freáticos dependem desta "esponja" natural, que é a vegetação. Além disso, as margens dos cursos d"água sofrem erosão, os rios o assoreamento e seca, como ocorreu recentemente com um em Alta Floresta (803 km ao norte da Capital).
Com este fenômeno, os rios de Mato Grosso ficam ameaçados de desaparecerem com a ação predatória da floresta. Da mesma forma, o regime hídrico sofre alteração e a qualidade da água diminuiu. Hoje, cerca de 80% da água utilizada em residências de Cuiabá e Várzea Grande retornam para o rio Cuiabá em forma de esgoto. Em 98% das moradias, a água do rio de maior destaque do Estado serve para abastecer as torneiras da população.
A quantidade de água não é perigo iminente, diz Rubem Mauro, mas a qualidade é diretamente proporcional às alterações do meio ambiente. Mato Grosso tem a segunda maior área de aquífero do país e sem um sistema de reposição ele pode ficar comprometido. "A década de 60 foi a mais seca, mas não tínhamos desmatado a Amazônia e Cerrado quanto agora".
Conhecimento - O engenheiro florestal Otávio Filho diz ser necessário campanhas efetivas e de longo prazo junto à população sobre os efeitos do mau cuidado com o meio ambiente. As crianças são a porta de entrada para esta revolução de pensamento de preservação permanente. O uso do fogo ainda é símbolo da cultura do mato-grossense, mas precisa ser superada, pois há outros meios sustentáveis e sem emissão de gases à atmosfera, que garantem um trabalho de desmate legal.
O presidente da Associação de Moradores do bairro Praieirinho, em Cuiabá, Aécio Nascimento, admite a dificuldade de entendimento dos adultos quanto à questão ambiental. Em processo de transferência de 70 famílias nos últimos 3 meses da margem do rio Cuiabá, ele sentiu a resistência das pessoas, mas a partir de discussões e explicações a população se conscientizou.
Efeito devastador - A aprovação da Lei de Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Mato Grosso (ZSEE) motivou o avanço de desmatadores para áreas maiores. A avaliação é dos gestores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis de Mato Grosso (Ibama), Ramiro Martins-Costa, e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Alexander Torres Maia.
O artigo 24 da lei reduziu a área de reserva legal para fins de recomposição em 30%. O benefício contempla as "áreas antropizadas", ou seja, que sofreram desmatamento, como consta em parágrafo ao artigo. Anteriormente, para os imóveis rurais do Estado situados em área de floresta era prevista a recomposição de 80% da propriedade.
Ramiro entende que a alteração deste trecho da lei foi decisivo para incentivar o empresariado à volta dos grandes desmatamentos. A diminuição da área a ser recuperada propõe lucro ao proprietário em um momento que a madeira tem grande valor econômico. O superintendente do Ibama avalia ação como rápida e compara a países como Líbano e Espanha, que devido à corrida pela construções de embarcações reduziu praticamente a zero sua cobertura vegetal e nunca mais conseguiram recuperar suas áreas.
Sobre a fiscalização, Ramiro garante que o órgão vem se modernizando ao longo dos anos e em alguns momentos chega a ser cobrado por deixar outros setores de lado em favor do madeireiro. Ele diz que o planejamento não previa a mudança de perfil dos desmatadores.
O secretário adjunto de mudanças climáticas da Sema, Júlio Cesar Pachega, diz que os trabalhos de fiscalização nunca começaram tão cedo quanto este ano. Desde novembro, quando as primeiras imagens mostraram o indicativo de desmatamento em grandes ares, os fiscais estão a campo. Ele admite que os dados para embasar as ações hoje são limitados, mas nos próximos dias as informações de satélite do governo federal ajudarão nos trabalhos. A atualização será a cada 2 dias.
A respeito da lei ZSEE, Julio esclarece que hoje ela é inconstitucional e é ilusão os desmatadores criarem expectativa em cima do documento. O secretário da pasta evita polemizar sobre a redação e diz que o texto ainda precisa passar por trâmites legais para ter total validade. O primeiro passo é submeter a lei sob análise da Comissão Nacional do Zoneamento e depois no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A lei de ZSEE foi sancionada sem veto pelo governo no dia 20 de abril.
(Midia News, 05/06/2011)