Sinalização de que combate ao desmatamento “afrouxou” por conta de mudanças no Código Florestal é vista como a senha para que madeireiros voltassem a agir.
Enquanto o governo discute a implementação de medidas para reduzir a violência na Amazônia e a polícia prossegue nas investigações sobre os recentes assassinatos de ambientalistas, os militantes das localidades onde ocorreram os crimes permanecem expostos ao risco. Eles têm idéia de quem os ameaça, mas calam sobre o que sabem, com medo de se tornarem novas vítimas. Rede que agrega mais de 600 organizações socioambientalistas, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) afirma que já está recebendo inúmeros apelos de militantes que atuam no meio da floresta e estão se sentindo ameaçados.
?A ameaça aos militantes da causa ambiental na Amazônia tem sido constante, mas nos últimos anos havíamos percebido um recuo dos desmatadores e seus pistoleiros porque eles tinham uma maior sensação da presença do Estado. Com o anúncio das mudanças no Código Florestal, você observa um aumento gritante do desmatamento e da violência porque se acenou com a possibilidade da impunidade. Toda a sensação de que o Estado está cuidando e gerindo do patrimônio da União na Amazônia simplesmente morreu?, diz Rubens Gomes, presidente do GTA.
Em relação às investigações, a orientação é não se sobrepor ao trabalho da polícia na busca pelos assassinos. ?Não dá para citar nomes porque não temos nomes. Se tivéssemos, já tínhamos mandado prender?, diz Gomes, antes de fazer uma observação que demonstra o desespero dos militantes com o clima de medo e impunidade que impera na região. ?Nos lugares onde aconteceram os crimes, se você perguntar, ninguém sabe. Agora, as lideranças que perdemos – e que são, todas, lideranças forjadas na luta – tinham feito denúncias públicas e o Estado nunca tomou a iniciativa de averiguar?.
Gomes ressalta a fragilidade da posição dos militantes ameaçados. ?Os ambientalistas que moram na floresta são prestadores de serviço para o bem da população e da nação brasileira, mas não têm por lá escritórios de advocacia preparados para um enfrentamento jurídico com os desmatadores. Na floresta não existe isso, mas, mesmo sem poder registrar queixas, os ameaçados fizeram denúncias públicas. Infelizmente, não adiantou?, lamenta.
Denúncia e silêncio
A Ouvidoria Agrária Nacional, por determinação do ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, está acompanhando as investigações da polícia. Em entrevista ao jornal O Globo, o desembargador Gercino Filho, ouvidor agrário, admitiu que tanto Adelino Ramos (presidente do Movimento Camponeses Corumbiara assassinado em 27 de maio em Rondônia) quanto o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva (militantes do Conselho Nacional das Populações Extrativistas assassinados em 24 de maio no Pará) haviam denunciado publicamente as ameaças que sofriam.
Enquanto a polícia não avança e a realidade mostra que denunciar não significa garantir proteção, a sensação de quem está na linha de frente é de medo. No município paraense de Nova Ipixuna, onde moravam e trabalhavam José Cláudio e Maria, ninguém quer falar nada sobre as investigações, mas uma lista com o nome das pessoas que vinham fazendo ameaças ao casal foi encaminhada à polícia. A militância dos dois era concentrada no assentamento Praialta/Piranheiras, reduto de floresta em meio à devastação muito cobiçado pelas madeireiras, o que pode facilitar a identificação dos criminosos.
Saiba mais sobre o assunto:
Em Vista Alegre do Abunã, onde Adelino Ramos foi morto, as investigações prometem andar mais rápido após a prisão do agricultor Ozéas Vicente Machado, apontado pela polícia como principal suspeito do crime. Ozéas, afirma a polícia, tinha ligações com donos de empresas extrativistas em Rondônia e, segundo testemunhas, já fora visto pelo menos três vezes discutindo com Adelino e ameaçando o ambientalista por causa de suas denúncias contra a exploração ilegal de madeira na região.
Madeireiras ilegais
Diante de tantas evidências, ainda que nomes de criminosos não tenham sido revelados, os ambientalistas pedem que o poder público intensifique o combate às madeireiras ilegais: ?Temos hoje dados sobre a economia marginal gerada com o desmatamento ilegal na Amazônia. É uma economia de bilhões de reais, o volume de recursos é muito grande, não estamos falando de algo insignificante. Contra esse produtor ilegal é que se trava esse combate. Lamentavelmente, na ausência do Estado, ficam as lideranças fazendo o enfrentamento em nome do poder público. Aí, é claro que o elo mais fraco termina sendo destruído?, diz Rubens Gomes.
O presidente do GTA faz outra constatação. ?Nós não somos preparados para lidar com bandidos. Somos preparados para mobilizar, organizar, buscar fazer uma produção sustentável, mas não para fazer enfrentamento com bandidos, não temos essa expertise. Somos cidadãos comuns, da paz, que temos a consciência do ambiente em que vivemos e da necessidade que temos de manter a nossa qualidade de vida e a de nossos companheiros. Quando o Estado faz um assentamento ou uma Unidade de Conservação e não os implementa, deixando lá as lideranças para fazer o enfrentamento, isso propicia o resultado que estamos vivenciando?, diz.
Gomes aponta mais uma vez o que acredita ser um efeito da aprovação das mudanças no Código Florestal sobre os criminosos na Amazônia. ?Essa sinalização liberou um setor que estava reprimido quando o Estado se fez presente ao colocar comandos de controle, baixar o desmatamento em mais de 50%, fazer enfrentamentos, cortar na própria carne e diminuir a corrupção no Incra e no Ibama. Essa maior presença do Estado havia feito esse povo que desmata dar uma recuada. Mas, com a sinalização de que a coisa afrouxou, eles estão voltando com uma ansiedade muito grande. É uma coisa absurda e assustadora?.
(Por Maurício Thuswohl, Rede Brasil Atual, Correio do Brasil, 05/06/2011)