Desafio é aliar crescimento econômico e redução da emissão de gases de efeito estufaUm milhão de brasileiros vivem sem energia elétrica. Mesmo assim, o consumo da eletricidade cresce a uma média de 3% ao ano. A alta é resultado do aumento da população e da crescente incorporação de eletroeletrônicos no nosso dia a dia. Ao mesmo tempo, o País quer se desenvolver e elevar o padrão de consumo. Como crescer economicamente e diminuir os níveis de emissão de gases de efeito estufa? A resposta não é nova, mas requer prioridade: ampliar os usos de energias renováveis, como eólica, biomassa, solar fotovoltaica, solar térmica, oceânica, geotérmica e hidrelétrica.
Ainda que o Brasil apresente uma matriz de geração elétrica de origem predominantemente renovável, na qual a hidreletricidade responde por montante superior a 76% da oferta, conforme o Balanço Energético Nacional de 2010, da Empresa de Planejamento Energético (EPE), há uma série de problemas socioambientais. Entre eles, a expulsão de moradores das áreas de alagamento e o fim da vegetação nativa. Outras opções ao uso de energias não renováveis, como petróleo e carvão, crescem, mas precisam de investimento do governo. O coordenador da campanha de energias renováveis da ONG Greenpeace Brasil, Ricardo Baitelo, diz que a geração eólica deve passar de 1 mil MW de capacidade instalada para 5,3 mil até 2013, entretanto pequenas centrais hidrelétricas e centrais movidas à biomassa não têm recebido os mesmos incentivos dados às eólicas. Em relação à geração em painéis solares fotovoltaicos, falta um programa governamental para explorar esse potencial.
Vivemos em um país que dispõe da incidência da energia solar durante todo o ano e há várias regiões onde se pode aproveitar a energia eólica e a derivada da biomassa, além de uma longa faixa litorânea para gerar energia oceânica. Um programa que integre várias fontes de energia, de forma sistemática e planejada, eliminaria desperdícios, ajudaria o meio ambiente e traria mais segurança. O uso de diversos tipos de energia descentraliza a geração, possibilita a universalização da eletricidade e diminui custos na distribuição.
Nossos maiores potenciais energéticos renováveis estão nos ventos - que poderiam suprir o triplo da demanda atual do Brasil - e o sol - que poderia supri-la em cerca de 20 vezes. Contudo, para que haja investimentos em energia limpa precisamos primeiro passar por uma mudança de paradigma. “Se não agirmos agora, sofreremos com impactos naturais e sociais muito mais graves do que os vistos no Japão e prejuízos econômicos muito superiores aos presenciados nas recentes crises norte-americana e europeia. Temos apenas duas opções: reverter essa perspectiva ou pagar o preço pela inação no futuro”, afirma Baitelo.
O resultado de tanto consumo
Poluição, destruição da camada de ozônio e perda de fauna e flora são efeitos dos processos mais usados para a geração de energia. Não há processos sem interferências no ambiente, mas as formas de geração renováveis resultam em danos menores. A utilização de petróleo, gás natural, carvão mineral e seus derivados podem gerar problemas ambientais graves como poluição do ar e aumento do efeito estufa. No caso do combustível nuclear, o risco é o de contaminação radioativa.
A queima de combustíveis fósseis é a forma de geração de energia mais utilizada: 70% da oferta global de eletricidade. E, embora os combustíveis de origem fóssil sejam finitos, o consumo pode ser estendido por muitos anos. No Estado, há carvão para ser consumido em até mil anos se o ritmo de queima se manter no padrão atual. Já a energia eólica pode ocasionar poluição visual e sonora e impactos sobre a fauna aérea, e a solar exige a exploração de minério. Sendo assim, é a economia de energia, independentemente de sua fonte, que sempre trará mais benefícios.
Segurança energética
Ter energia 24 horas por dia durante os 365 dias do ano exige sistemas que independam de chuva e ventos. A pesquisadora de energia da Unisinos Maria Luiza Indrusiak diz que ainda dependemos das energias chamadas sujas (queima de carvão e petróleo) para garantir a produção energética independente. “Poderia ocorrer uma mudança se as energias alternativas fossem implantadas em grande escala e toda a população concordasse em pagar mais pela matriz limpa, a exemplo do que aconteceu na Alemanha. O problema é que as indústrias dificilmente concordariam com o aumento do preço da energia, alegando perda de competitividade. Elas acabariam se instalando em países como a China, onde a queima de carvão fornece energia barata”, analisa Maria Luiza.
O descrédito da energia nuclear
O acidente nuclear ocorrido em Fukushima, no Japão, em 11 de março deste ano, levantou mais uma vez a questão sobre os riscos, custos e benefícios da geração de energia a partir da fissão nuclear. No mundo, há cerca de 450 reatores nucleares, a maioria deles concentrada nos Estados Unidos, França, Japão e nos países da ex-União Soviética. De acordo com o professor da Universidade de São Paulo (USP), José Goldemberg, estes reatores produzem aproximadamente 15% da energia elétrica do planeta. Mas vale a pena arriscar-se com a contaminação resultante da extração do urânio e os efeitos de um possível acidente, que podem manifestar-se até nas futuras gerações?
O uso da energia nuclear sempre foi alvo de muitas discussões. A pesquisadora da Unisinos Maria Luiza Indrusiak diz que o acidente japonês reavivou nas pessoas um medo que está presente no imaginário coletivo em função das bombas nucleares e que pode despertar a procura por outras fontes de energia. No caso da geração de energia por fissão nuclear, a destinação dos dejetos radioativos é difícil e, como em outros tipos de usinas termelétricas, frequentemente a água empregada nos sistemas de refrigeração, quando lançada nos corpos d’água, aumenta a temperatura e prejudica a biodiversidade local. Há também aqueles reatores em que a água não é lançada na água, mas refrigerada em torres, fato que reduz o impacto. Todavia, se acidentes acontecem, além da morte imediata dos atingidos, a radioatividade desencadeia o surgimento de doenças sérias, como o câncer, após anos de contato.
De acordo com o professor da USP, a Agência Internacional de Energia (AIE) já redimensionou pela metade as projeções que havia feito para 2035. “Esta redução abre caminho para o aumento de contribuições de renováveis que são competitivas do ponto de vista econômico”, avalia Goldemberg.
Ricardo Baitelo, do Greenpeace Brasil, aponta que o incidente em Fukushima comprovou, novamente, que a energia nuclear apresenta enormes riscos de acidentes com impactos ambientais e sociais irrecuperáveis. “A relação entre o custo dessa tecnologia e os riscos envolvidos não vale a pena, especialmente para o Brasil, que conta com um potencial enorme de energias renováveis para atender a sua demanda energética das próximas décadas”, explica. O Brasil tem duas usinas nucleares em operação, Angra 1 e 2, no município carioca de Angra dos Reis, que fornecem 2% do total de energia gerada no País. A desativação de Angra I deverá ocorrer nos próximos anos, quando atingir sua vida útil estimada entre 30 e 40 anos. Contudo, uma terceira usina, Angra 3, já está planejada, com contratos firmados para as obras civis e boa parte do equipamento comprado.
(JC-RS, 03/06/2011)