Dentro da área reconhecida como Amazônia Legal, 32,1% do território desmatado deu lugar ao crescimento de uma vegetação secundária. Em outras palavras, isso significa que um terço do território cuja mata nativa foi eliminada sofreu a devastação à toa. Os dados são referentes ao ano de 2002, mas só foram divulgados agora pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o estudo “Geoestatísticas de Recursos Naturais da Amazônia Legal”, tornado público nesta quarta-feira (1º), até 2002, 241.577 km2 haviam sido desmatados sem que houvesse nenhum uso posterior do solo. À guisa de comparação, a mesma área equivale a quase toda a extensão do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte).
Do total da área alvo de desmatamento, 51,7% passou a ser utilizada pela pecuária enquanto 15,2% foi convertida em local de produção agrícola. O estudo mostra, portanto, que a área devastada sem um posterior uso do solo representa mais do que o dobro da área voltada à agricultura, evidenciando o grande estoque de terras desmatadas e depois abandonadas.
Para os pesquisadores do IBGE, essa comprovação da forte subutilização das terras já devastadas serve de alerta para se repensar o modelo de ocupação da região. Por exemplo, a partir do aumento da produtividade pecuária por hectare e do aproveitamento de áreas que já foram desmatadas e possuem vegetação secundária ao invés de agredir novas áreas de vegetação nativa.
Segundo o Censo Demográfico de 2000, 20 milhões de pessoas residiam dentro da Amazônia Legal. Já no mais recente Censo, de 2010, a população local subiu para 24 milhões de habitantes, o que significa um crescimento demográfico de aproximadamente 20% em dez anos. No mesmo período, a média nacional foi de apenas 1,17%.
Para os pesquisadores do IBGE, esse cinturão do desmatamento constatado em 2002 (que parte do leste do Acre passando por Rondônia, Mato Grosso, e visto de maneira bastante intensa entre o leste do Pará, oeste do Tocantins e norte do Maranhão) já está muito mais avançado hoje, devido à expansão da fronteira agrícola. O aumento da população também é percebido ao longo dos principais canais fluviais e rodoviários na região.
Desmatamento na Amazônia equivale a uma Zâmbia perdida
A Zâmbia, localizada no sul do continente africano, é o 38º maior país em extensão territorial no mundo. A área da Zâmbia é praticamente igual à porção de terra desmatada na Amazônia Legal até 2002. Isto é, 752.202 km2. Equivale também a uma Espanha e meia.
A pesquisa do IBGE indica que 15,3% da área de vegetação primária na Amazônia Legal já havia sofrido algum tipo de modificação pela ação do homem a partir do século 16. Ainda que o homem não tenha chegado na região apenas depois de 1500, os pesquisadores não levam em consideração as alterações feitas pelos povos indígenas, por entender que o nível de devastação praticado por eles era irrelevante.
Embora a referência dos dados apresentados seja de há quase dez anos, eles permitem uma análise mais qualificada do desmatamento. Mostram, por exemplo, que a influência urbana no desmatamento é ínfima (0,3% da área que sofre modificação pelo homem até 2002).
Cinturão do desmatamento
Os limites da Amazônia Legal foram estabelecidos pela Lei 5.173/66 e modificados mais tarde pela Lei Complementar 31/77. A área abrange integralmente os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima, e parcialmente os estados do Tocantins (98%), Maranhão (79%) e Goiás (0,8%). Somente a Amazônia Legal representa 59% de todo o território nacional brasileiro e compreende 775 municípios.
O levantamento divulgado pelo IBGE também revela que em 2002 cinco Estados (Maranhão, Goiás, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia) já possuíam mais de 20% de suas respectivas vegetações modificadas. No Maranhão, o caso já era ainda mais crítico, uma vez que a devastação já havia avançado sobre 54% da vegetação original (considerando a região do Estado que faz parte da Amazônia Legal).
Em termos absolutos, os Estados onde o desmatamento havia sido mais intenso até 2002 eram Mato Grosso (233.416 km2), Pará (203.606 km2) e Maranhão (139.239 km2). Juntos, esses três estados somam mais de 75% de toda a devastação na região. Por outro lado, os Estados onde a ação do homem é proporcionalmente mais branda são Roraima (0,1%), Amapá (0,2%), Acre (0,3%) e Amazonas (0,5%).
(Por Daniel Milazzo, UOL Ciência e Saúde, EcoDebate, 02/06/2011)