Se no Brasil o colapso da central nuclear japonesa de Fukushima não alterou os planos do Palácio do Planalto de dar continuidade à expansão da energia atômica, na Alemanha o governo local se vê diante de um impasse. Após anunciar o fechamento de todas as 17 usinas do país até 2022, os alemães terão de trocar uma fonte energética que consideram perigosa por outras de origem fóssil, como o carvão. Na contramão da tendência mundial, o país irá recorrer a uma matriz energética "suja", que contribui para o aquecimento global.
A decisão pelo fechamento de todas as centrais foi uma continuidade à suspensão, anteriormente anunciada, das sete usinas mais antigas do país, logo após o acidente no Japão, em março. O plano agora é fechar mais seis no final de 2021, e as outras três, mais modernas, um ano depois. Juntas, elas respondem por 22% da energia alemã.
Ainda na semana retrasada, ao expor a situação da Alemanha ao R7 e a outros veículos latino-americanos, o chefe de Política Energética do Ministério de Economia e Tecnologia, Till Spannagel, disse que não há, no curto prazo, solução que não passe pelas fontes poluentes.
- Não haverá possibilidade de substituição imediata de energia nuclear por renováveis. Precisamos de outras usinas termelétricas com combustíveis fósseis. Tem que haver formas de suprir energia quando não há vento ou sol, como hoje por exemplo.
O carvão se apresenta, segundo Spannagel, como a solução mais viável: é barato em relação ao petróleo, há jazidas garantidas para os próximos 200 anos e tem exploração facilitada.
Ainda assim, as autoridades não admitem, por ora, qualquer alívio nas metas de redução de CO². Até 2020, o objetivo é cortar as emissões em até 40%, com relação a 1990. Até 2050, o país quer cortar os gases em 80%.
De toda a energia consumida na Alemanha, 22% vem dos reatores atômicos, contra apenas 17% de fontes renováveis (eólica, solar, hidrelétrica e biomassa, nesta ordem de importância). O restante, 60%, vem de fontes emissoras de CO², principalmente o carvão, gás natural e petróleo.
O caminho para não descumprir o compromisso, admite Spannagel, poderá estar na compra de certificados de carbono de países vizinhos. Na prática, significa pagar pelo direito de poluir a quem cumpre com folga as metas de emissão.
Pressão
A mudança de rumo do atual governo com relação à energia nuclear é, em boa medida, decorrente da pressão da opinião pública. Pesquisas indicam que até 80% da população é hoje refratária às usinas, após o acidente no Japão.
A decisão final do governo sobre o prazo de funcionamento delas já era esperada para o início de junho. Diante da pressão, o governo decidiu antecipar o anúncio. Nas últimas semanas, o centro de Berlim tem se tornado o centro de manifestações antiatômicas.
ONGs ambientalistas juntaram milhares de jovens nas ruas para protestos. O R7 foi a um deles, na praça Alexanderplatz. Um dos mobilizadores, o diretor da entidade Amigos da Natureza, Uwe Hiksch, diz que a luta agora é pelo fim imediato.
- Nós já ganhamos. Mas queremos acabar com a energia nuclear agora, porque catástrofes como a de Fukushima ou de Chernobil podem ocorrer na Alemanha, onde as usinas estão contratadas por 20 anos. Amanhã elas podem explodir.
O recente corte das usinas é mais um capítulo da reviravolta nos planos do atual governo, comandado pela chanceler, Angela Merkel. Em setembro do ano passado, ela havia abolido uma lei, aprovada em 2001 pelo governo anterior, dos partidos Verde e Social-Democrata, de pôr fim às usinas nucleares da Alemanha até 2020.
A ideia de Merkel era prolongar a produção nuclear por até 14 anos, ou seja, até 2034. Com a enorme repercussão negativa da contaminação no Japão, porém, o governo voltou atrás.
* O jornalista viajou a convite do governo da Alemanha
(R7, 30/05/2011)