Para a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PV), a aprovação do Código Florestal, ocorrida nesta semana no Congresso, está relacionada com o aumento da insegurança para ambientalistas que enfrentam madeireiros e fazendeiros na floresta Amazônica. No começo da semana, o extrativista José Claudio Ribeiro da Silva e sua mulher, Maria do Espírito Santo da Silva, foram assassinados na cidade paraense de Nova Ipixuna. O ativista já havia dito que era alvo de frequentes ameaças após denunciar a exploração ilegal de madeira em reservas.
Veja os principais pontos da proposta do Código Florestal
"Com a aprovação do relatório do deputado Aldo (Rebelo - PCdoB), sequer a lei vai estar a favor dessas pessoas", disse Marina em entrevista ao Terra. O relatório de Rebelo isenta pequenas propriedades, de até 4 módulos fiscais (medida que varia de 20 a 400 hectares), a recuperar a Reserva Legal.
Para Marina, com a aprovação do código ocorrerá uma inversão de valores na preservação da floresta. "Outra coisa é os ilegais serem transformados em legais, e vão agir em defesa do legitimo direito que eles adquiriram de desmatar".
Ela critica a postura do governo quando diz que o Executivo mobiliza sua ampla base em defesa de projetos como o pré-sal e salário mínimo, mas deixa de lado a questão ambiental. "Na questão ambiental, desde a época do presidente Lula, estranhamente, a base se rebela sempre contrária à posição do governo". Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Terra:
Terra - A senhora conhecia o casal assassinado, ou conhecia o trabalho que eles desenvolviam?
Marina Silva - O que eu conhecia é que eles eram lideranças comunitárias em um projeto de assentamento extrativista, que fica a 60 km de Nova Ipixuna. Ele era uma ativista que, inclusive, falou que estava sendo ameaçado de morte. Deixou bem claro que seria a próxima irmã Dorothy (missionária americana morta em 2005 em função do conflito agrário do Pará) na luta em defesa das reservas comunidades.
Terra - As regiões do sul e do sudeste do Pará são conhecidas pelos conflitos entre madeiros, garimpeiros, fazendeiros e índios. A senhora acredita que mudou muita coisa desde as décadas de 80 e 90?
Marina Silva - Infelizmente mudou muito pouco. O que mudou foi que uma parte daquelas terras foram destinadas para a criação de reservas extrativistas. Em 95, 96, quando eu cheguei ao Senado, era impossível pensar que aquelas terras poderiam ser demarcadas...
A pressão continua sobre as reservas para a exploração irregular de madeira.... Continua sendo uma região muito violenta com ausência do Estado para dar segurança a essas comunidades, mas pelos menos mais anteriormente, nós tínhamos ao nosso lado, pelo menos, as pessoas que defendiam as reservas e as áreas florestadas.
Agora, com a aprovação do relatório do deputado Aldo, sequer a lei vai estar a favor dessas pessoas. Essa questão que para mim está muito difícil de elaborar, porque uma coisa era, ainda que com todas as dificuldades e ameaças, ter ao seu lado a força da lei. Outra coisa é os ilegais serem transformados em legais, e vão agir em defesa do legitimo direito que eles adquiriram de desmatar.
E isso é muito difícil, porque de Chico Mendes (líder seringueiro assassinado em 1988) a padre Josimo (morto no Maranhão em 1986), de Padre Josimo a irmã Dorothy, de irmã Dorothy a José Claudio e Maria... e tantos que já morreram em função dessa luta de defesa à floresta.
Terra - Os madeiros e os fazendeiros, pelo menos os que sempre agiram na ilegalidade naquela região, ainda têm muita força no Norte do País?
Marina Silva - No Acre, essa situação desde que o Jorge Viana (PT) ganhou o governo foi sendo debelada. Graças a Deus, lá já não temos mais os conflitos violentos que tivemos na década de 80 e final da década de 70. Mas em vários rincões do Brasil isso ainda acontece de uma forma dramática, e o Estado do Pará, infelizmente liderando esse ranking tenebroso de assassinatos e ameaças a lideranças comunitárias e trabalhadores rurais. Sendo que agora, eu repito, não há mais a lei para proteger essas comunidades.
Terra - A senhora já chegou a receber alguma ameaça?
Marina Silva - Não, graças a Deus nunca recebi nenhuma ameaça.
Terra - Os governos usam o slogan "Amazônia" para mobilizar recursos para a região com foco no desenvolvimento sustentável. O que existe de concreto para as comunidades que sobrevivem dos recursos extraídos da floresta de forma sustentável?
Marina Silva - O apoio para a implementação dessas reservas ainda é muito aquém das necessidades que elas têm. O modelo predatório, há 400 anos vem sendo financiado, e recebe todo o apoio de todos os governos em todos os momentos da história. A ideia de um modelo que integre o desenvolvimento da floresta, isso é muito recente, data desde quando o Chico Mendes levantou essa bandeira, e nunca contou com o suporte necessário, ainda que conquistas tenham sido alcançadas para, de fato, mostrar que a floresta de pé é mais rentável do que transformada em pasto, rendendo uma cabeça de gado por hectare.
Terra - Existe muita diferença entre a política aplicada por Lula e agora pela Dilma em relação ao meio ambiente? E como a senhora interpreta a posição do Legislativo para a questão?
Marina Silva - Em termos da Câmara dos Deputados não preciso falar mais nada, é só ver o Código Florestal que foi aprovado, deixou de ser um Código Florestal para ser um código agrário. Como disse o (ex-)ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, saiu-se da regra de proteção das florestas para a exceção. A regra será desmatar e a exceção proteger....
Em relação a Dilma, sabemos que é um governo de continuidade e que ela assumiu o compromisso público, no segundo turno, respondendo uma séria de questões que eu havia apresentado, entre elas a do desmatamento e do Código Florestal, e ela respondeu que era contra qualquer ação que representasse qualquer anistia para desmatadores, e aumento de desmatamento, e reiterou esse compromisso na reunião que tivemos com ela com os outros ex-ministros.
Espero que agora ela possa trabalhar com sua base, que é uma base folgada, com 70% dos deputados da base do governo - no Senado é mais ampla até - que o governo trabalhe para que a base atue pelas posições da presidente. Porque eu sinto que quando se trata do pré-sal, do salário mínio e de outras questões de interesse do governo existe um trabalho para que a base seja fiel as propostas do governo. Na questão ambiental, desde a época do presidente Lula, estranhamente a base se revela sempre contrária à posição do governo.
(Por Daniel Favero, Terra, 29/05/2011)