Os moradores de Itaberaba ainda não se deram conta de que o bairro virou uma espécie de laboratório a céu aberto. Apesar do trabalho de informação que precedeu à soltura dos mosquitos transgênicos, poucos sabem o que os cientistas estão fazendo por lá.
A dona de casa Maria da Glória Pinheiro não se empolga com o trabalho e faz uma cobrança certeira: "Sei que, se tivesse água na torneira, as coisas seriam muito diferentes. Sem a água parada, que a gente junta para o básico, como é que faz para lavar roupa e fazer comida? (Com a água na torneira) não teria mosquito, nem de dengue nem de outro tipo", disse.
Nas ruas, a reação é semelhante. "Já vi esse pessoal soltando mosquito, mas não sabia que era feito em laboratório nem que era de dengue. Medo, medo, eu não tenho. Tem muita coisa mais para eu me preocupar", afirmou Solange Silva, de 28 anos.
"O que é isso?", respondeu Maria Lúcia Oliveira, ao ser questionada pela reportagem sobre a pesquisa. Pouco antes, ela havia recebido com naturalidade a equipe que instalou em sua casa uma armadilha para a contagem de Aedes aegypti.
Mãe de um menino deficiente de 12 anos, vivendo de aposentadoria numa casa com mais duas pessoas, Maria Lúcia não escondia a apreensão. "Será que isso pode prejudicar meu menino? Se estão soltando mosquito, o risco de dengue vai aumentar", disse.
José Nilson dos Santos, que vive na casa e também não sabia ao certo da ação dos técnicos, rebateu: "Acho que piorar não vai. Vamos tratar de ficar tranquilos".
Maria da Glória, a que cobrou água na torneira, exibia a mesma hospitalidade e o mesmo desconhecimento. "Aproveita e leva embora todas as muriçocas", disse, ao receber, sem se levantar da cadeira da sala, a equipe encarregada de aspirar os mosquitos instalados na casa. Sem interromper a costura de uma blusa, contou não saber que dias antes mosquitos haviam sido liberados na sua rua. "Nem sei direito o que é transgênico."
Depois de ouvir a equipe falar mais uma vez sobre a pesquisa, ela suspirou: "Estou lembrando vagamente."
(Por Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo, 29/05/2011)