Com a captação de água realizada através de poços artesianos no limite, a cidade de Ribeirão Preto, há 313 quilômetros de São Paulo, já perdeu, segundo um estudo, a primeira alternativa para abastecimento de água: o rio Pardo, por estar com suas águas poluídas por defensivos agrícolas que a inviabilizam para consumo. A única alternativa para utilizá-la é a construção de uma estação de tratamento com tecnologia capaz de retirar da água os defensivos, o que, pelo custo, inviabiliza o processo. A afirmação é da professora e química Cristina Pereira Rosa Paschoalato, da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), que conclui uma pesquisa sobre o rio. Resultados parciais desse estudo indicam que a água do Pardo está contaminada por defensivos agrícolas como diuron e hexazinona. A pesquisa foi realizada pela Fundação de Apoio a Pesquisa, Ensino e Extensão (Funep) e pelo Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Daerp), em parceria com a Unaerp.
Cristina conta que foram feitas várias amostragens e os herbicidas foram identificados em várias delas. O fato de o rio cortar regiões produtoras de cana-de-açúcar, diz ela, influencia no grau de contaminação. A professora diz que sua pesquisa simulou os produtos numa estação de tratamento e que as substâncias "passaram direto", indicando que isso ocorreria também numa Estação de Tratamento convencional. "Dessa forma, só com um investimento significativamente maior seria possível limpar a água dessas substâncias", comentou.
Segurança
Segundo Cristina Paschoalato, o resultado deve servir de alerta e não significa, por enquanto, que o uso da água esteja totalmente descartado. "Significa que, hoje, essa água não poderia ser utilizada. Mas o estudo indica que, se nada for feito em um espaço curto de tempo, essa será uma realidade difícil de alterar", comenta. A pior notícia, garante Cristina, é que também foram encontrados indícios dos mesmos defensivos agrícolas em amostras de água retiradas do Aquífero Guarani, que abastece 100% dos mais de 600 mil moradores de Ribeirão Preto. "Isso mostra que, se a situação não for resolvida e a prevenção feita de forma adequada, a cidade pode sofrer perversamente, já que a opção de abastecimento também será inviável se houver a contaminação."
No período, foram investigados cem poços do Daerp com amostras colhidas a cada 15 dias. As concentrações do produto encontradas no local foram de 0,2 picograma por litro - ou um trilionésimo de grama. O índice fica muito abaixo do considerado perigoso para o consumo humano na Europa, que é de 0,5 miligrama (milésimo de grama) por litro, mas, ainda assim, preocupa os pesquisadores, que analisam como possível uma contaminação ainda maior.
Para o engenheiro químico Paulo Finotti, presidente da Sociedade de Defesa Regional do Meio Ambiente (Soderma), Ribeirão corre o risco de inviabilizar o uso da água do aquífero in natura. "A zona leste registra plantações de cana em áreas coladas com lagos de água do aquífero. É um processo de muitos anos, mas esses defensivos fatalmente chegarão ao aquífero, o que poderá inviabilizar o consumo se nada for feito", explica.
Mais problemas
Outro problema que pode colocar em risco o abastecimento de água de Ribeirão no médio prazo é a extração exagerada de água do manancial subterrâneo. Se o mesmo ritmo de extração for mantido, o uso da água do Aquífero Guarani pode se tornar inviável nos próximos 50 anos em Ribeirão Preto. A alternativa, além de reduzir a captação, pode ser investir em estruturas de captação das águas de córregos e rios que, além de não terem a mesma qualidade, precisam de investimentos significativamente maiores para serem tratadas e tornadas potáveis.
A perspectiva já é considerada pelos estudiosos do chamado Projeto Guarani, que envolveu quatro países com território sobre o reservatório subterrâneo.
O mapeamento mostrou que a velocidade do fluxo de água absorvida pela reserva é mais lenta do que se supunha. Pelas contas dos especialistas, a cidade extrai 4% mais do que poderia do manancial. A média de consumo diário de água em Ribeirão é de 400 litros por habitante, bem acima dos 250 litros da média nacional. Por hora, a cidade tira do aquífero 16 mil litros de água.
Vale lembrar que a maior parcela de água doce do mundo, algo em torno de 70%, está localizada, em forma de gelo, nas calotas polares e em regiões montanhosas. Outros 29% estão em mananciais subterrâneos, enquanto rios e lagos não concentram sequer 1% do total. Entretanto, em se tratando da água potável, aproximadamente 98% se encontram no subsolo, sendo o Aquífero Guarani o maior deles.
A alternativa para não desperdiçar esses recursos é investir em reflorestamento para garantir a recarga do aquífero. A opinião é do secretário-geral do projeto, Luiz Amore, para quem a cidade terá de investir ainda em áreas de infiltração. "Ou Ribeirão se preocupa, desde já, com essa questão, ou pode comprometer todo o aquífero." Ele ressalta ainda que o nível do manancial está, hoje, 40 metros mais profundo do que nas primeiras medições há 50 anos.
(Por Eduardo Schiavoni, DCI, 24/05/2011)