A recorrência dos crimes ambientais e a gravidade dos danos — com grande risco de novos desmatamentos — levaram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a embargar propriedades rurais e obras de nove deputados federais e três senadores. O embargo, uma punição mais severa do que a multa e a apreensão de produtos, impede qualquer tipo de atividade na área delimitada pelo órgão ambiental. A pena é aplicada depois que o proprietário recebe a multa do Ibama. Os 12 parlamentares que tiveram áreas embargadas em razão de diversos crimes ambientais fazem lobby no Congresso pela aprovação do relatório que modifica o Código Florestal Brasileiro. A votação da proposta no plenário da Câmara está prevista para a primeira semana de maio. Reportagem de Vinicius Sassine, no Correio Braziliense.
O Correio revelou ontem que 15 deputados e três senadores poderão ser beneficiados com as alterações do Código Florestal, caso o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) seja aprovado no Congresso. O projeto anistia as multas aplicadas pelo Ibama até julho de 2008, além de flexibilizar as regras para definição de reservas legais e para manutenção de áreas de preservação permanente (APPs). Os 18 parlamentares que podem ser beneficiados foram multados — e ainda respondem aos autos de infração — principalmente por desmatamento de reservas legais e APPs. Assim, o novo Código Florestal favoreceria diretamente esses deputados e senadores.
Um novo levantamento do Correio, realizado na relação de áreas embargadas pelo Ibama, mostra que a situação é ainda mais grave para 12 parlamentares integrantes da bancada ruralista. Eles estão proibidos de desenvolver qualquer tipo de atividade nas áreas delimitadas pelo órgão ambiental, em razão dos mais diversos tipos de infração. Os mais comuns são a retirada de APPs e reservas legais, a construção de obras sem licença e a definição de loteamentos em desacordo com a legislação ambiental.
A bancada de Tocantins tem a maior quantidade de parlamentares com áreas embargadas. São três deputados — Agnolin (PDT), Eduardo Gomes (PSDB) e Irajá Abreu (recém-saído do DEM rumo ao PSD) — e um senador, João Ribeiro (PR). Irajá é filho da senadora Kátia Abreu (ex-DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a principal porta-voz dos produtores rurais na defesa das alterações do Código Florestal. Kátia foi multada pelo Ibama por infrações ambientais, mas não chegou a ter áreas embargadas pelo órgão. Já uma propriedade rural do filho da senadora, de 28 anos, um dos mais jovens integrantes da bancada ruralista, precisou ser embargada em razão dos danos ambientais.
A propriedade é a Fazenda Aliança, em Aliança do Tocantins. São dois embargos, um por desmatamento de reserva legal e outro por retirada de APP, que totalizam 75 hectares. O nome que aparece como responsável pela fazenda — e proprietário do local — é o de Irajá Abreu. Por meio da chefia de gabinete, o deputado disse desconhecer as autuações do Ibama. Já a senadora Kátia Abreu garante que não explora áreas de reserva legal em suas propriedades. “Não existia, à época, qualquer lei que exigisse autorização do Ibama para utilizar a área que era de minha propriedade. As reservas legais estão devidamente averbadas.”
Além de Tocantins, as áreas embargadas pertencentes a deputados e senadores estão localizadas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima, Pernambuco, Maranhão e Bahia. O deputado que mais perdeu áreas é Paulo Cesar Justo Quartiero (DEM-RR): são cinco embargos em vigência. Entre os integrantes da Câmara, ele também é o que mais recebeu multas do Ibama, como o Correio mostrou ontem.
Demarcação
Quartiero garante que todos os embargos se referem à demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2008. Grande produtor de arroz e porta-voz do grupo no Congresso, Quartiero precisou devolver áreas aos índios da reserva. Mas, conforme a relação de embargos do Ibama, a punição ocorreu porque o deputado impediu a recomposição de florestas, destruiu APPs e extraiu minério sem licença. “Estou com restrição de crédito por causa desses embargos. Virei um sem-terra”, diz Quartiero.
Alguns parlamentares admitem ter provocado danos ambientais. É o caso de Agnolin (PDT-TO), que teve duas áreas embargadas pelo Ibama, uma delas referente a um loteamento executado em Palmas, capital de Tocantins, sem licença ambiental. “Estou me adequando à decisão judicial de demolir as obras indevidamente realizadas e reparando os danos provocados por construções às margens do Lago de Lajeado”, diz o deputado, por meio de sua assessoria de imprensa. O primeiro-secretário da Câmara, Eduardo Gomes, também tem um projeto de loteamento em Palmas embargado pelo Ibama. Uma represa alterou o regime dos cursos d’água, sem qualquer tipo de licença. Um acordo já foi feito com o Ibama, segundo a assessoria do deputado. A multa foi parcelada em 60 vezes e “estão sendo pagas em dia”.
Proibição
A venda ou compra de produtos provenientes de áreas embargadas são passíveis de multa de R$ 500 por quilograma ou unidade comercializada. Já o descumprimento da ordem de embargo pode render uma multa que varia de R$ 10 mil a R$ 1 milhão. Interditar uma área tem como objetivo impedir a continuidade do dano ambiental e viabilizar a recuperação da área degradada. Somente após a regularização da obra ou da atividade desenvolvida, o embargo pode ser suspenso pelo Ibama. Esse tipo de punição ocorre principalmente em casos de desmatamento de áreas de preservação permanente (APPs), de reservas legais ou sem autorização.
Quando o embargo é necessário
DEPUTADOS
» Agnolin (PDT-TO)
Duas áreas embargadas em Tocantins: destruição significativa da biodiversidade e implantação de projetos de loteamentos sem licença ambiental.
O que ele diz: que já regularizou a área de preservação, demoliu a obra e reparou os danos provocados pelas construções à margem do Lago do Lajeado.
» Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR)
Cinco áreas embargadas em Roraima: destruição de área de preservação permanente (APP), extração de minério de floresta de domínio público e impedimento da recomposição de florestas.
O que ele diz: que não utiliza mais as fazendas embargadas.
» Irajá Abreu (DEM-TO)
Duas áreas embargadas em Tocantins: desmatamento de reservas legais e APPs.
O que ele diz: que desconhece a decisão do Ibama de embargar áreas de fazendas em seu nome.
» Reinaldo Azambuja (PSDB-MS)
Uma área embargada em Mato Grosso do Sul: obras poluentes sem licença ambiental.
O que ele diz: que protocolou a defesa em 2009 e ainda não houve julgamento pelo Ibama.
» Roberto Dorner (PP-MT)
Uma área embargada em Mato Grosso: destruição de APP em áreas da Amazônia legal.
O que ele diz: que tem toda a documentação que autoriza o desmatamento.
» Augusto Coutinho (DEM-PE)
Uma área embargada em Pernambuco: desmatamento de APP.
O que ele diz: que foi concedida licença para a construção da obra que gerou o desmatamento.
» Eduardo Gomes (PSDB-TO)
Uma área embargada em Tocantins: instalação de represa que altera o curso d’água e a fauna aquática, sem licença ambiental.
O que ele diz: que a multa foi parcelada em 60 vezes e está sendo paga em dia.
» Iracema Portella (PP-PI)
Uma área embargada no Maranhão: desmatamento de APP.
O que ela diz: que tem uma propriedade rural no estado, mas nunca foi notificada por qualquer dano ambiental.
» Marcos Medrado (PDT-BA)
Duas áreas embargadas na Bahia: obras poluentes sem licença ambiental.
O que ele diz: a assessoria de imprensa afirmou que o deputado estava incomunicável no interior da Bahia.
SENADORES
» Ivo Cassol (PP-RO)
Quatro áreas embargadas em Rondônia: destruição de APP e reserva legal em áreas da Amazônia legal.
O que ele diz: que os crimes ambientais foram cometidos em propriedades vizinhas às suas.
» Jayme Campos (DEM-MT)
Três áreas embargadas em Mato Grosso: desmatamento de APP e atividade potencialmente degradadora sem licença ambiental.
O que ele diz: a assessoria informou que não encontrou o senador.
» João Ribeiro (PR-TO)
Uma área embargada em Tocantins: atividade potencialmente degradadora sem licença ambiental.
O que ele diz: não houve retorno até o fechamento da edição.
(EcoDebate, 19/05/2011)