O jornalista americano Charles Fishman lança The Big Thirst, um novo livro sobre a água. Sua obra anterior, The Wal-Mart Effect, foi eleita o “livro do ano” pela The Economist em 2006 e um dos finalistas do prêmio Financial Times para o melhor livro de economia. Ele aborda o tema da água nesta entrevista concedida ao New York Times e reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 15. Eis a entrevista.
O senhor diz que não teremos mais água que tenha ao mesmo tempo três qualidades: ilimitada, barata e segura. Por que não?
Fomos mimados. No mundo desenvolvido foram construídos, há cem anos, os sistemas de abastecimento mais bem projetados e realizados. Funcionaram tão bem que fizeram das nossas cidades centros urbanos viáveis, criativos, saudáveis e vibrantes do ponto de vista econômico. Esses sistemas se tornaram tão perfeitos que permaneceram – até hoje – invisíveis.
Quando abrimos a torneira, pressupomos que a água esteja ali, pronta, e que a rede de abastecimento enterrada no solo esteja funcionando. Ambos os pressupostos estão ultrapassados. O crescimento populacional, o desenvolvimento econômico e as mudanças climáticas sobrecarregam o fornecimento.
Portanto, teremos de nos despedir do consumo despreocupado e ingressar numa era de utilização racional da água. Por que regamos as plantas ou damos descarga nos banheiros com água tratada e potável?
Sua posição sobre os inconvenientes do emprego da água potável me lembram da questão do estacionamento. Achamos que o estacionamento gratuito é ótimo, mas ele causa problemas – como esperar para encontrar uma vaga e trânsito pesado. De que maneira o senhor tentaria convencer alguém de que a água gratuita é na realidade uma coisa ruim?
A água não é de graça. As pessoas dirão: “Eu pago a conta de água, US$ 30 por mês, não tem nada de graça!” Bem, é quase. Meio litro de água engarrafada custa US$ 0,99. A conta média da água de uma família, nos Estados Unidos é de US$ 34. Portanto, temos água em casa todos os dias para tudo, do banho ao preparo de alimentos, por US$ 1 por dia.
A água de graça – tão barata que nunca paramos para pensar no seu custo – é um desastre. Quando alguma coisa é de graça, o conceito é de que ela é ilimitada. A água gratuita leva a desperdício. Produtores rurais e gerentes de fábricas e hotéis nunca se preocupam com a quantidade de água que usam e com seu uso inteligente. Água barata significa também que as empresas das quais dependemos para o seu fornecimento nunca têm dinheiro para se modernizar ou encontrar reservas.
Se fosse possível mudar alguma coisa para resolver o problema da água – uma melhor gestão do meio ambiente ou o fornecimento a quem não tem –, seria o preço. Nós podemos pagar um pouco mais com o nosso notável sistema. Mas teremos problemas se deixarmos que ele se torne obsoleto.
Suponho que cobrar mais pela água não resolveria os problemas do mundo em desenvolvimento. Aumentar o acesso a água potável não exigiria uma outra mudança?
O fundamental na questão do custo da água é o seguinte: as pessoas pagarão pelo fornecimento de água segura, acessível e que as liberte da escravidão de terem de caminhar ou de fazer fila para consegui-la.
Visitei um bairro de Nova Délhi chamado Rangpuri Pahadi. Seus 3,5 mil habitantes vivem com US$ 100 por mês. Estavam tão desanimados por terem de ficar na fila horas a fio todos os dias que criaram sua própria rede em miniatura. Fizeram uma campanha para angariar contribuições – um gasto enorme para pessoas cuja renda diária é US$ 3 –, perfuraram poços e instalaram canos que saem de um tanque de armazenamento até a choupana de cada família.
Os que querem água pagam por ela cerca de um dia de salário por mês. A água fornecida pela empresa recém-criada é melhor que a da rede pública e está disponível na hora certa. Eles pagam o equivalente aos US$ 150 por mês que uma família americana pagaria.
O dinheiro não é a única solução – o custo da guerra no Iraque seria suficiente para criar redes de abastecimento para todas as pessoas da Terra. O problema real é humano: ajudar as pessoas a dispor de um sistema confiável é mais difícil do que parece. O problema não está na tecnologia ou nos recursos, mas na vontade política e no conhecimento da cultura.
No nosso país, alguma comunidade descobriu como usar a água de modo mais econômico? Os produtores agrícolas usam 15% a menos de água que há 30 anos e plantam 70% a mais. A produtividade da água dobrou desde 1980. As usinas hidrelétricas usam menos água que há 30 anos e geram mais eletricidade.
Visitei uma fábrica de semicondutores da IBM que, em dez anos, reduziu em 29% o uso da água ao mesmo tempo que aumentou a produção em 33%.
Orange County, na Flórida, há 25 anos tornou obrigatório o emprego da água de reúso nas novas construções. Hoje, a quantidade de água de reúso bombeada diariamente é quase igual à de água potável. O condado dobrou de tamanho, mas não precisou dobrar a quantidade de água potável.
(New York Times, O Estado de S. Paulo, IHU On-line, Envolverde, 17/05/2011)