Biólogos estão redescobrindo a biodiversidade da capital paulista. Nos últimos anos, alguns cientistas decidiram trocar viagens para ecossistemas distantes por incursões nos parques urbanos, nas matas que cercam a cidade e, até mesmo, no coração de concreto da metrópole. Os resultados surpreendem.
Rafael Indicatti, do Laboratório de Artrópodes do Instituto Butantã, por exemplo, identificou uma nova espécie de aranha na cidade. Não estava escondida em um tronco na Serra da Cantareira. Vivia no canteiro de concreto de uma palmeira, em plena Praça da Sé.
Não foi a única vez que a cidade revelou moradores inusitados entre o cimento e o asfalto. Inspecionando um jardim de dois metros quadrados, em uma casa da Mooca, Indicatti descobriu uma nova espécie de caranguejeira. Os dois bichos devem ser descritos em artigos científicos este ano.
Antonio Brescovit, orientador de Indicatti no Butantã, recorda uma aranha recém-descrita. O bicho de um milímetro apareceu nas calçadas e nos terrenos baldios do Jardim Rizzo, zona oeste da cidade.
Brescovit quer montar um manual com todas as aranhas da cidade. Pode ser lançado em breve. "Há no mínimo 45 espécies urbanas de aranha em São Paulo", afirma o cientista.
Não é tão fácil encontrar novas espécies de vertebrados. Especialmente na zona urbana. Mas São Paulo esconde segredos nas suas fronteiras.
O biólogo Leo Malagoli, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), estuda anfíbios no extremo sul da cidade, no Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar. "Há uma imensa riqueza de espécies: já encontramos 68 anfíbios em uma área de 300 quilômetros quadrados", afirma Malagoli, sublinhando que 25 quilômetros quadrados do núcleo estão em São Paulo. O resto pertence à Juquitiba e Itanhaém. Na lista de anfíbios da região há duas espécies novas.
O ornitólogo Fabio Schunck, do Museu de Zoologia da USP, também faz trabalho de campo na zona sul, mas não espera encontrar espécies novas de pássaros. Sabe que o grupo já foi bem descrito. Nem por isso sua pesquisa carece de agradáveis surpresas. Ele tenta entender padrões migratórios de aves que voam milhares de quilômetros rumo ao sul. A Represa do Guarapiranga - que Schunck avista da janela da sua casa - é um dos pontos de descanso da jornada. Em 2004, o ornitólogo avistou dois legítimos tuiuiús na Guarapiranga. O pássaro, típico do Pantanal, não era visto desde 1900 na cidade de São Paulo.
Luís Fábio Silveira, professor da USP e orientador de Schunck, prefere observar pássaros na Cantareira, zona norte de São Paulo. No fim de semana, vai para lá com alunos. "O principal sentido para quem estuda pássaros é a audição", afirma o pesquisador. "Praticar no fim de semana ajuda a manter o ouvido afiado para reconhecer o canto." Silveira participa de uma iniciativa chamada Contagem Global de Papagaios, organizada por pesquisadores da Universidade Leiden, na Holanda, e da Universidade Heidelberg, na Alemanha. O objetivo é montar uma lista de espécies de papagaios que ocorrem em cidades, especialmente as espécies não nativas que fugiram do cativeiro. Segundo Silveira, foram avistadas 16 espécies de papagaio na área urbana de São Paulo: 7 são exóticas.
Ricardo Sawaya, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já participou de um levantamento, publicado em 2009, sobre os répteis do município. Nos últimos cem anos, foram encontradas 97 espécies de répteis na cidade, segundo análise da coleção do Instituto Butantã - destruída pelo fogo há um ano. Cerca de 51 espécies desapareceram nos últimos seis anos, sugerindo a extinção de muitas delas na cidade. O pesquisador acredita que a destruição dos hábitats constitui a principal ameaça, assim como, no passado, a variedade de ecossistemas na cidade - campos, Cerrado, mata - favoreceu a biodiversidade.
(Por Alexandre Gonçalves, O Estado de S.Paulo, 15/05/2011)