Foi na conclusão de um estudo do IPCC (o braço científico das Nações Unidas) sobre o potencial da energia eólica, solar, geotérmica, hídrica, dos oceanos e bioenergia para reduzir a emissão de gases-estufa e, assim, enfrentar a mudança do clima.
Na madrugada de segunda-feira, na discussão sobre a sustentabilidade destas fontes, o Brasil se opôs à relação, no texto, entre a produção de biocombustíveis e a pressão sobre florestas ou a produção de alimentos. Países europeus e representantes dos Estados Unidos insistiam na citação, ao mesmo tempo em que queriam promover biocombutíveis de segunda geração, para onde canalizam suas pesquisas. O Brasil, representado por sete cientistas e liderado por autoridades do Itamaraty, ganhou o embate. O texto de 28 páginas saiu sem a referência.
Mas foi uma vitória de apenas algumas horas. A primeira frase sobre biocombustíveis no comunicado de seis páginas distribuído à imprensa mundial traz críticas veladas: "Alguns sistemas de bioenergia, incluindo aqueles que envolvem a conversão de terras em biomassa e colheitas energéticas, podem produzir mais emissão de gases estufa do que reduzir". E continua: "Mas outros (..) que, por exemplo, convertem restos de madeira em combustíveis líquidos, podem significar uma redução de 80% a 90% nas emissões comparados aos combustíveis fósseis."
"Começou a ficar extremamente politizado o sumário", disse, ao Valor, Suzana Kahn, vice-presidente do grupo de mitigação do IPCC, onde representa a América Latina. "E com isso não se deu a atenção que deveria ser dada para a questão científica." O IPCC é a principal referência científica mundial em matéria de aquecimento globalA votação de relatórios deste gênero segue o regime da ONU - eles têm que ser aprovados por consenso e, no caso, por representantes de 192 países. O que foi aprovado agora foi o sumário executivo do Relatório Especial sobre Fontes de Energias Renováveis e Mitigação da Mudança Climática. Trata-se de uma versão resumida de um estudo que agrupa o que a ciência mundial produziu sobre o tema e que tem mais de mil páginas.
Este é o primeiro relatório do IPCC depois da crise de 2009, quando foi criticado por ter publicado duas informações erradas e pelo vazamento de e-mails constrangedores de cientistas no Reino Unido. O indiano Rajendra Pachauri, que preside o IPCC, referiu-se à mudança do clima ao dizer que o estudo "é uma base sólida para formuladores de políticas públicas enfrentarem o maior desafio do século 21."
Segundo o relatório, cerca de 80% do fornecimento de energia mundial pode vir de fontes renováveis em 2050 se políticas públicas adequadas forem adotadas.
Isto poderia significar deixar de emitir entre 220 e 560 gigatoneladas de CO2 equivalente entre 2010 e 2050.
Os países em desenvolvimento têm papel importante neste quadro porque é neles que vive a maioria do 1,4 bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade e onde existem as melhores condições para o desenvolvimento das energias renováveis, destacou o pesquisador Ramon Pichs, um dos coordenadores do trabalhoO relatório fará parte do próximo grande estudo do IPCC, o 5° Assessment Report (AR5), com lançamento previsto para 2014.
(Mídia News, 15/05/2011)