Um projeto elaborado e apresentado há dois anos ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) que propõe a capacitação de indígenas na lapidação de pedras semipreciosas não pode ser implementado por um entrave legislativo: a inexistência de regularização da exploração de minérios em terras indígenas.
Os recursos, no valor de pouco mais de R$ 1,5 milhão, já foram confirmados pelo MCT, mas sua liberação ainda aguarda ajustes da Financionadora de Estudos e Projetos (Finep).
A articulação do projeto está sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (Sect), mas o titular do órgão, Odenildo Sena, encontra-se em um impasse: como implementar um projeto se a execução depende da conclusão dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional a respeito da mineração em terras indígenas?
“Acabaram direcionando o projeto para algo que não é permitido. O projeto está em stand-by. Mas precisamos conversar com o MCT para resolver a situação. Talvez direcionar o projeto para outro conjunto de ações”, disse Sena.
Artesanato
Surgido de uma demanda de povos indígenas de São Gabriel da Cachoeira (AM), na região do Alto Rio Negro, o projeto foi batizado de Liceu Lapidart.
Ele pretende trabalhar na “adoção de uma central de inovação de serviços e design para o aproveitamento de sementes não germinadas no fabrico de biojoias”, inspirada na arte indígena, segundo trecho de um documento apresentado em 2009, em evento realizado em Manaus.
O projeto foi apresentado pela Secretaria Estadual de Povos Indígenas (Seind). Nele, havia a indicação de que a atividade ser desenvolvida em parceria com o Instituto Federal do Amazonas (Ifam).
O titular da Seind, Bonifácio Baniwa, discorda de que haja impedimento do projeto ser implementado.
Segundo ele, a proposta do Liceu Lapidart abrange apenas “gemas”, conhecidas como pedras semi-preciosas. Segundo Baniwa, estas "gemas" não estão na categoria de minério.
“O Estatuto do Índio diz que os indígenas não podem garimpar, mas podem usar gemas em forma de artesanato, como extrativismo. Talvez o Odenildo Sena não esteja acompanhando o assunto. Na época em que a gente apresentou o projeto, ele ainda não estava na Sect”, disse Baniwa, que pretende voltar a conversar sobre o assunto.
Daniel Nava, titular da recém-criada Secretaria de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos (Semgrh), tem outra interpretação da legislação.
Segundo ele, “minério é minério de qualquer jeito” e sua atividade em terras indígenas precisa ter autorização do Congresso Nacional e do Ministério de Minas e Energia.
Conforme Nava, em São Gabriel da Cachoeira, área rica em fontes de minério, as chamadas “gemas” mais comuns naquela região do Alto Rio Negro são ametista, água marinha e topázio.
Daniel Nava defende a necessidade do Congresso Nacional destravar os debates sobre mineração em terras indígenas para evitar um caso em São Gabriel da Cachoeira: a saída de pedras preciosas para a Colômbia.
“Um grande comerciante de ouro é a Colômbia, mas as áreas produtoras estão do lado do Brasil, em São Gabriel da Cachoeira, nas áreas próximas às margens que fazem fronteira entre os dois países”, disse Nava.
Para o secretário, o governo brasileiro precisa “olhar” para essa situação e regulamentar a mineração em terras indígenas.
Como gestor estadual, Daniel Nava disse que pode atuar como “articulador dos interesses comuns”. “Vamos nos esforçar para conseguir isso”, observou.
Atualmente, tramitam alguns projetos de lei que regulariza a lavra em terras indígenas, o assunto não é colocado em pauta no Congresso Nacional
(A Crítica, 13/05/2011)