O grande conflito entre a perspectiva ecológica e a político-econômica é que o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas limita a possibilidade de manter o desenvolvimento da produção e do consumo regulado apenas pelas leis de mercado e pelos poderes políticos. Se o consumidor está submetido a um sistema econômico e político incompatível com a realidade ecológica do mundo natural, ele não tem o poder de fazer escolhas que levem a um consumo sustentável.
O consumo sustentável, ético, responsável e consciente não é uma simples questão de escolha de consumo. Depende de um sistema político-econômico compatível com as leis da ecologia. Quando é a própria cultura de consumo que define o que é ecológico, a ecologia se reduz à produção e ao consumo de tecnologias mais eficazes e que desperdiçam menos matéria e energia, mas não necessariamente respeitam as limitações ecológicas. A cultura de consumo não consegue ser ecológica porque não consegue ser limitada pelas leis que limitam todas as outras espécies de animais, ela meramente usa o conhecimento ecológico para proveito próprio, evitando seus efeitos limitadores o máximo possível.
Nossa cultura elegeu o consumidor como agente multiplicador de ações políticas e privadas que visam a sustentabilidade. Ele deve entender o que motiva o consumo e saber separar necessidades reais de necessidades criadas. Mas a sua “consciência ecológica” também é um produto cultural sendo propagado pelos meios de comunicação que estão sob controle do sistema econômico. É uma consciência ideológica que segue o critério da racionalização das relações em função da produtividade. A ideia central é racionalizar o uso das tecnologias e dos meios de produção para benefício da sociedade civilizada. O indivíduo que assume o papel de consumidor consciente e ecologicamente correto não percebe que está seguindo uma exigência criada pela indústria cultural, que por sua vez está apenas explorando um promissor segmento de mercado.
A cultura de consumo propaga uma ética baseada no “consumir bem”, que é confundida com a ética do “viver bem”, porque a vida passa a ter o sentido de consumo. Atribui-se uma responsabilidade meramente nominal a um sujeito que não recebeu condições para ser responsável. Pede-se que ele crie uma consciência que na prática é rejeitada pela sociedade industrial ou pós-industrial em que vivemos. O consumo se tornou espetáculo, assim como a própria crítica ao consumismo. A cultura de consumo apresenta aquele que não consome como avarento, e o que consome como generoso, reforçando assim uma representação que tem o objetivo de gerar coerção social. O consumo chega a adquirir um significado existencial. Ser ecológico se torna uma questão de marketing pessoal e de gestão da imagem que visa nada mais que melhorar as condições de consumo.
O discurso eco-civilizado diz que a preservação da natureza só será possível quando os bens naturais forem considerados como recursos econômicos e regulados seja pelo mercado ou pelas instituições. Ou seja, o discurso ecológico só passa a ser possível se estiver submetido a um discurso político e econômico. O mais lógico seria o inverso, já que a sociedade humana é apenas um sistema dentro do ecossistema planetário. Essa inversão está pressuposta quando se fala de tecnologia verde, reciclagem, créditos de carbono, pegada ecológica, capital natural… O símbolo disso é o planeta sendo segurado por mãos humanas. Estabelecemos uma relação economicamente racionalizada com a natureza enquanto fonte de recursos materiais da civilização. Uma economia baseada em recursos é o inverso de uma ecologia que compreende os problemas econômicos inerentes ao desenvolvimento da civilização. Esse tipo de ecologia, que poderíamos chamar de “ecologia compreensiva” ainda não encontra espaço para ser devidamente formulada e discutida.
(EcoDebate, 12/05/2011)