Organizações ambientalistas e camponesas brasileiras e internacionais voltaram à carga contra a indústria florestal, desta vez acusando a corporação Stora Enso de obter ganhos ilegítimos na produção de celulose no Sul do Estado da Bahia. As acusações estão dirigidas à Veracel Celulose, empresa de risco compartilhado entre duas “líderes internacionais” em celulose e papel – a brasileira Fibria e a sueco-finlandesa Stora Enso – que começou em 2005 operações industriais no município de Eunápolis, Sul da Bahia, segundo seu site na internet.
A empresa possui plantações em dez municípios baianos, uma fábrica de celulose e seu próprio porto. As organizações – Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), Amigos da Terra Internacional e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros – argumentam que a companhia possui dívidas com a justiça brasileira por crimes comuns, ambientais e trabalhistas.
“Desde que se estabeleceu na região, a empresa comete “desde” crimes ambientais até evasão de impostos, falsificação de documentos e corrupção de servidores públicos, entre outros”, disse ao Terramérica o ativista Marcelo Durão Fernandes, do MST. Camponesas do MST realizam frequentes manifestações e ocupação de instalações da companhia. O Ministério Público e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais impuseram multas à Veracel pela contaminação de nascentes de riachos e rios com o uso de agrotóxicos, principalmente herbicidas, explicou Fernandes.
O dirigente do MST atribuiu à “intensa plantação de eucaliptos” a seca de fontes de água, a erosão e o desmatamento acelerado da Mata Atlântica, o grande bioma florestal que se estendia por todo o litoral atlântico e que hoje ocupa apenas 7% da sua área original, após séculos de exploração agropecuária e urbanização. As denúncias se referem também a plantações em áreas de risco ambiental, como morros e margens de rios e lagoas e também em áreas de conservação ou indígenas.
Além disto, a empresa é acusada de não respeitar os direitos dos trabalhadores. Nos últimos anos, um tribunal do trabalho de Eunápolis registrou mais de 850 processos contra a Veracel e suas subcontratadas, afirma um comunicado das organizações não governamentais, divulgado no dia 21 de abril, um dia após a assembleia de acionistas da Stora Enso para a divisão de dividendos, realizada em Helsinque.
As plantações florestais ganharam grande impulso na Bahia, no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul. Segundo dados de 2009, havia no Brasil dois milhões de hectares plantados para produzir celulose e papel e as exportações somavam US$ 5 bilhões. Em 2008, a o Ministério Público (MP) estadual da Bahia pediu à justiça que anulasse licenças ambientais para plantar eucaliptos, obtidas pela Veracel.
A companhia empregou “meios ilícitos, desde corrupção de funcionários de órgãos licenciadores até subornos de prefeitos e vereadores”, disse na época João da Silva Neto, coordenador do MP estadual em Eunápolis. Dessa forma, a empresa foi multada e condenada a retirar plantações distribuídas em quatro municípios baianos e a reflorestar com espécies nativas da Mata Atlântica. Os procedimentos continuam desde então.
Segundo Ivonete Gonçalves, do Cepedes, grandes extensões de monoculturas operam sem licenças ambientais, o que gerou perda de biodiversidade e expulsão de milhares de camponeses da região. Estes fatores contribuíram para agravar a insegurança alimentar local, alertou Fernandes. Já se percebe claramente no Brasil que, cada vez que aumentam as plantações de monoculturas como soja, cana-de-açúcar e eucalipto, diminui a produção e a área plantada com alimentos básicos, como arroz, feijão e mandioca, acrescentou.
Ivonete citou censos oficiais e do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Eunápolis, segundo os quais, em 2002, oito cultivos regionais geravam cerca de 30 mil empregos. Hoje, a Veracel, “que se apropriou de quase todas as terras cultiváveis, oferece cerca de 400 empregos diretos e 2.500 indiretos, terceirizados”, destacou. A empresa respondeu que nos dez municípios onde atua, a empresa ocupa 6,1% da área total de terras. Em 2007, nesses municípios, “apenas 5,3% das terras eram usadas para produzir alimentos”. O uso mais comum do solo na região é com a pecuária, que cobre 46,6%.
“De todas as terras compradas pela Veracel, cerca de 97% eram de pecuária”, disse em uma resposta via e-mail a coordenadora de Comunicações da companhia, Débora Jorge. A Veracel assegura que “para cada hectare plantado com eucalipto mantemos um hectare protegido, o que representa quase 105 mil hectares nessa condição”. A empresa “não desmata e respeita inclusive o compromisso de não plantar em áreas onde foi identificada vegetação nativa em florestas primárias ou em estágio médio ou avançado de regeneração”, acrescentou a coordenadora.
O Programa Mata Atlântica, criado pela Veracel em 1994, estabeleceu em 2004 a meta de restaura 400 hectares por ano. No final de 2010, já haviam sido recuperados quatro mil hectares, segundo Débora Jorge. A firma garante que só utiliza produtos químicos devidamente autorizados e que, mediante “moderno manejo integrado de pragas e doenças”, consegue aplicar produtos de baixa toxidade e em “doses locais e específicas”.
Quanto ao efeito do eucalipto na disponibilidade de água, “análises do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais e da Sociedade Brasileira de Silvicultura revelam que as plantações de eucalipto, manejadas adequadamente, consomem a mesma quantidade de água que as florestas nativas”, disse a coordenadora. Embora as atividades da Veracel possam ter causado algum movimento de pessoas, os números oficiais do censo “não mostram uma mudança real de população do campo para as cidades”, acrescentou a porta-voz da empresa.
No capítulo de infrações trabalhistas, Débora Jorge afirmou que, até setembro de 2010, eram 175 reclamações de empregados da Veracel, enquanto outras 766 correspondiam a trabalhadores que prestavam serviços à companhia, que foi citada como corresponsável apenas nos casos em que o empregador foi condenado a pagar e não o fez.
Ivonete Gonçalves questiona para quem é importante a presença da Veracel no Brasil. “Para esses poucos trabalhadores ou para os políticos? Quais são realmente os beneficiários? Seguramente, os suecos e finlandeses”, respondeu a representante do Cepedes. A produção de celulose e 60% do lucro são enviados ao exterior, e “nós ficamos com o passivo ambiental da monocultura de plantações industriais e com a pobreza no Sul da Bahia”, disse ao Terramérica João Pedro Stédile, integrante da coordenação do MST.
(Por Fabiana Frayssinet, IPS, EcoAgência, 12/05/2011)