A principal matéria-prima do pão francês é a mais nova vítima do aquecimento global: o trigo está sendo afetado pelo aumento da temperatura, e as lavouras de milho seguem a mesma tendência. Não que as safras estejam diminuindo. Pelo contrário, estão aumentando devido aos avanços nas tecnologias de produção.
O que acontece é que, com o aquecimento, esse aumento é menor do que aconteceria normalmente.
A afirmação é de cientistas das universidades Stanford e Columbia, nos EUA, que analisaram o impacto das mudanças climáticas nas quatro culturas que representam 75% das calorias consumidas pelos seres humanos: arroz, trigo, milho e soja. Os cientistas usaram dados de temperatura e chuva do período entre 1980 e 2008, além de informações sobre colheitas em todo o mundo. Com isso, eles projetaram o resultado das lavouras sem o aquecimento e o compararam com o que realmente aconteceu nos campos.
A produção de trigo foi 5,5% menor do que seria se os termômetros não tivessem subido. A de milho também foi afetada, encolhendo 3,8%. Já lavouras de soja e de arroz não tiveram alterações. Embora a redução ainda possa ser considerada modesta, ela já serve de alerta. "Em alguns países, as tendências climáticas foram fortes o suficiente para compensar parcela significativa do aumento de produção das lavouras trazido pela tecnologia, fertilização com dióxido de carbono e outros fatores", diz o trabalho, publicado na versão online da "Science".
Para o climatologista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) José Marengo, a pesquisa é válida, mas deveria considerar um período de tempo maior. "Os anos estudados são os extremos mais quentes. Eles deveriam ter considerado também as décadas de 1960 e 1970, mais frias. Isso poderia ter mostrado uma redução potencial menor das culturas", disse à Folha. Marengo também criticou os cientistas por dar "pouca importância" ao trabalho de adaptação das lavouras, como investimento em criação de variedades mais resistentes e outras tecnologias. "
Enquanto não podemos reverter o aquecimento, é esse o caminho", afirmou. Ironicamente, os EUA, que no período foram os maiores poluidores do planeta, não tiveram aumento de temperatura e, consequentemente, perda potencial de produção. No Brasil, a produção de trigo foi a mais afetada, seguida por uma queda mais modesta na de milho.
Locais muito frios para a agricultura, como partes do Canadá e áreas do Ártico, por outro lado, podem sair beneficiados com surgimento de zonas quentes agricultáveis.
(Folha, 09/05/2011)